Uma vítima do "sistema"? O único ex-presidente do Benfica a quem foi retirada a qualidade de sócio do clube foi, no entanto, um dos maiores opositores ao sistema instalado no futebol português. Recordamos aqui uma entrevista dada ao Record em 13 Junho de 1999:

«Pinto da Costa encarna o clima de suspeição»
Entrevista de João Marcelino

Quando assumiu a presidência do Benfica, prometeu aos sócios um “Benfica à Benfica”. Parece-me que esta promessa está distante de ser cumprida, pelo menos do ponto de vista futebolístico. Qual é a sua opinião?
Só na perspectiva de não termos sido campeões se pode dizer isso. De resto, o “Benfica à Benfica” tem sido cumprido.

Em que áreas?
Em todas! Hoje temos um clube mais bem organizado, mais orgulhoso, liderante do ponto de vista desportivo...

Não a ganhar...
Por razões que toda a gente sabe!

Eu não sei.
(Ignorando a observação) ... Liderante porque as soluções que temos preconizado têm vindo a ser adoptadas por outros clubes. Estão a fazer escola.

Como por exemplo?
Olhe, as relações com a televisão, as relações com os empresários do futebol, a política de formação, etc.

Que relações mantém com os empresários de futebol?
As de sempre: o Benfica negoceia directamente com os clubes e a utilização dos empresários só é feita na perspectiva de eles serem representantes dos jogadores.

“Por razões que toda a gente sabe”, disse. Quer explicitar?
O Benfica tem mais dificuldade em ganhar do que qualquer outro clube. Há toda uma estrutura que tudo faz para que o Benfica não ganhe. O que é normal, de resto.

Normal!? Porquê?
Porque queremos limpar uma série de ervas daninhas que têm vindo a prejudicar o futebol português.

E essas “ervas daninhas” têm nome?
Têm, mas não me peça para os citar, toda a gente sabe quem são.

...

Às vezes, mais do que pessoas, há toda uma série de hábitos que se criaram e são prejudiciais. Por isso se vive um clima de suspeição permanente no futebol português. Daí resulta a falta de credibilidade e essa tem sempre o epicentro no FC Porto. Isso é inquestionável! Ainda há dias, numa revista alemã se salientava isso. Existe suspeição no favorecimento de determinados resultados, nas arbitragens... até no próprio sorteio dos árbitros!

Os sorteios também são suspeitos?
Na época passada, por exemplo, o FC Porto teve quatro árbitros que apitaram 17 jogos! Um era o José Pratas e os outros três eram do Porto. (efectivamente, Martins dos Santos dirigiu cinco jogos do FC Porto, contra quatro de Paulo Costa, Paulo Paraty e José Pratas)

Para si, os árbitros viverem no Porto é uma prova de desonestidade?
Não. Só digo que nesses 17 jogos o FC Porto nunca perdeu. Desconheço se árbitros são adeptos confessos do FC Porto. Apenas saliento a curiosidade de meio Campeonato disputado com a direcção dos mesmos árbitros - e sempre a correr bem para o FC Porto! São coincidências... E é por elas que eu digo: o Benfica, para ser campeão, tem de ser muitíssimo mais forte do que o FC Porto. Só ligeiramente melhor não chega!

Vamos, então, desenvolver a sua teoria: não há volta a dar a isso?
Há. E mais: no dia em que se der a viragem, o FC Porto vai voltar a estar 19 anos sem ganhar. Virá muita coisa à luz do dia. “Zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades” - este é um ditado popular português que também não deixará de fazer aparecer muita coisa à tona de água.

O presidente do Benfica acredita, portanto, que o famigerado “sistema” existe...?
Claro que existe. Analise essas coincidências todas.

“Lata e Folclore”

O presidente do FC Porto, Pinto da Costa, queixa-se do sorteio. Isso contradiz o que o senhor acaba de dizer, não lhe parece?
Pois... é preciso “lata”!

O presidente do FC Porto, no último dia do Campeonato, afirmou que o “sistema”, se é que existe, mora a meia dúzia de quilómetros do Estádio das Antas, naquilo que toda a gente entendeu como uma alusão clara ao Boavista e ao predomínio desse clube em vários órgãos dirigentes do futebol português. O que pensa disso?
Faz parte do “folclore” dizer essas coisas. Na primeira vez que o Benfica foi jogar ao Estádio das Antas comigo a presidente, num jogo que a ganharmos viraria o Campeonato, marcámos um golo limpo [Kandaurov], como todos viram, e o presidente do FC Porto veio dizer que o abdómen era o braço. Curiosamente - lá estão as tais coincidências - o árbitro, António Costa, foi o mesmo que este ano dirigiu o Farense-Boavista, na penúltima jornada, da maneira que toda a gente viu. Pinto da Costa pode dizer as maiores loucuras porque perdeu a credibilidade.

O presidente do FC Porto é, para si, a representação de todos os males do “sistema”?
Talvez seja injusto dizer que ele representa tudo o que existe de mau. Digo, apenas, que encarna todo o clima de suspeição.

Não acha exagerado não conceder mérito algum à equipa de futebol de um clube que vence o Campeonato há tanto tempo consecutivo - cinco anos?
Repare numa coisa: de há dez anos a esta parte, o FC Porto tem tido resultados internacionais fracos. Piores, até, que os do Sporting e Benfica nas últimas participações na Liga dos Campeões. O Sporting, há dois anos, fez melhor do que o FC Porto. E, depois, vai ver-se o Campeonato português, logo a seguir, e o Sporting acaba em quarto lugar a não sei quantos pontos de distância. Com o Benfica sucedeu o mesmo este ano. Isto diz alguma coisa. Se a distância entre o valor das equipas fosse aquela que a classificação do Campeonato espelha era natural que o FC Porto andasse também a passear pela Europa. E todos sabem que não é assim. A realidade do futebol português é conhecida de todos - da opinião pública, dos jornalistas, dos dirigentes. Mas todos metem a cabeça na areia e tentam esconder a realidade.

Voltaria a dizer hoje o mesmo que em Coimbra, há vinte dias atrás, quando considerou o FC Porto um “campeão virtual”, “sem mérito”, e que “deixou o País indiferente”?
Claro! Não tem mérito! E não sou só eu a dizê-lo. O presidente do Sporting também o disse há muitos meses.

Não ouvi isso. Antes pelo contrário, José Roquette endereçou os parabéns ao FC Porto.
Disse, sim senhor, há uns meses, que o Sporting não reconhecia o campeão e que não havia verdade desportiva. Isso até foi mais grave.

Nessa altura nem sequer se sabia qual seria o campeão...
Bem, mas lá que tenha mudado o discurso é problema dele. Que disse, disse, está dito e é grave. Pela minha parte, mantenho o que afirmei. O FC Porto é beneficiado por um conjunto de circunstâncias e tem uma máquina de apoio nas pessoas que têm medo da mudança porque sabem que nesse dia cairão. Essa máquina vive à custa do futebol.


Propostas incríveis

Pode dar um exemplo de como funciona essa “máquina”?
Olhe, a nós, dirigentes, chegam as propostas mais incríveis e sempre com a mesma nota: “o FC Porto também faz isto.” Muitas vezes nem acredito. - Mas dê lá um exemplo, se faz favor. - Volto a dizer: até nem acredito nisso, porque sou uma pessoa de boa fé, que acredita nas pessoas e nas instituições, mas já me vieram oferecer a “compra” de guarda-redes em jogos importantes para deixarem entrar “frangos”; de defesas-centrais para fazerem grandes penalidades, deixarem passar os nossos avançados ou porem-nos em jogo em circunstâncias que permitissem o isolamento em direcção à baliza. Enfim, já nos propuseram muita coisa. E os preços até eram acessíveis. Se é verdade ou não, continuo sem saber porque nunca aceitaria uma coisa dessas.

E essas pessoas diziam-lhe que isso era uma prática do FC Porto?!
(Depois de tossir) Diziam-me sempre: “Se eles lá em cima fazem isso, você também deveria fazer.” E eu respondia: “Não acredito que eles lá em cima o façam.” Mas que há muito fumo em relação a isso, lá isso há. Até dirigentes me falaram dessas práticas. É o tal fumo... Compete à polícia investigar.

Acha que a polícia não tem investigado tanto quanto devia?
A corrupção, em qualquer sector de actividade, é sempre difícil de investigar. Demora tempo. Mas, volto a dizer, quando o sistema mudar, quando houver verdade desportiva, muita coisa se vai saber deste tempo que vivemos. Vão, acredito, aparecer muitos casos como o daquele Beira Mar-FC Porto, que veio a lume recentemente como sendo de clara corrupção. Claro que já tinham passado os prazos, quer do ponto de vista das sanções desportivas, quer do das sanções criminais. Mas toda a gente viu, num programa televisivo, pessoas a testemunharem terem sido corrompidas, incluindo jogadores. Estas coisas de que se fala à boca cheia, inclusive por pessoas da Liga, há-de acabar por apurar-se depois da necessária mudança. Nesse dia todos os clubes partirão em pé de igualdade.

Neste momento, o Boavista - e o presidente do FC Porto falou disso numa entrevista que me concedeu recentemente - tem muita gente à frente dos órgãos de decisão. E o Boavista também é, como o senhor diz, “lá de cima”. Isso não o preocupa? Não é um poder mau?
Naturalmente que não é saudável. É conveniente um maior equilíbrio e, sobretudo, haver pessoas que desempenhem os lugares com independência e sem clubite aguda.


Informação e discrição

Vamos fazer agulha, se não se importa, para o futebol do Benfica. Parece-me que os benfiquistas andam um pouco preocupados com uma certa apatia do clube num aspecto fundamental: o reforço da equipa. O Sporting e o FC Porto, é uma ideia geral, estão a apetrechar-se mais rapidamente. E os sistemas vencem-se com golos. O que tem a dizer a isto?
Não estou a ver quais sejam, por exemplo, os reforços do FC Porto...

Para já, os defesas brasileiros Argel e Ruben Junior e os portugueses Rodolfo e Paulo Ferreira...
Está bem... E isso é que são grandes reforços?
...
Vamos a ver: o que se passa é que, hoje em dia, as coisas no Benfica passam-se dentro da maior confidencialidade e discrição. O FC Porto, que era um clube mais fechado, não consegue manter o rigor desses anos e o Sporting também não.

Em relação ao Benfica, noto, nem há falta de nomes novos a aparecerem nos jornais todos os dias. O que faltam são negócios feitos...
Porque a informação está muito escondida. É ponto assente que não apresentaremos nenhum jogador antes da assembleia geral. A excepção foi o Enke por razões meramente burocráticas. Não queremos ser acusados na assembleia de amanhã de irmos para lá com trunfos na manga ou promessas de jogadores. Queremos que a discussão decorra num ambiente normal: o debate do orçamento, que é aquilo que se vai discutir, e não o debate de nomes de jogadores.

Que objectivos vai ter o Benfica para a nova temporada?
Os mesmos de sempre: ganhar todas as provas, sem excepção. Estamos convencidos que vamos apresentar uma equipa ainda mais equilibrada e forte. E esta época o Benfica já era o melhor plantel! Ainda há dias uma pessoa tão insuspeita quanto Pedro Gomes, comentador, técnico e sportinguista, o reconhecia.

E, se não chegar, terá sempre a desculpa do “sistema”...
Não é desculpa. Tem sido uma realidade. Mas desta vez vamos tentar ser tão fortes que não seja possível impedirem-nos de ganhar.

Que orçamento tem para aplicar no reforço da equipa?
Temos de possuir muito bom senso em matéria financeira. O clube ficou equilibrado economicamente e isso não pode ser alterado. Hoje o Benfica gera mais receitas do que as despesas que tem. Por outro lado, começamos a ter uma situação de equilíbrio financeiro, apesar de, neste particular, ainda pagarmos as agruras de um passivo que foi muito elevado e que nós conseguimos reduzir em 60%. Daí ficou uma tesouraria muito difícil que não pode ser comprometida. Antes pelo contrário. Precisamos de continuar a possuir muita tranquilidade para regularizarmos a situação financeira e continuarmos a pagar as dívidas do clube. Enquanto isso não for feito, as compras de jogadores têm de ser equilibradas com as vendas de outros jogadores. Não podemos gastar mais a comprar do que a vender. Não contem comigo para criar situações de ruptura financeira por atracção do abismo, ou seja, para comprar jogadores a valores superiores àqueles que o clube pode pagar.

O Benfica não parece possuir muitos jogadores capazes de despertar interesse no mercado internacional. Assim sendo como poderá o clube ter disponibilidade para fazer as tais aquisições que possam reforçar a equipa?
Não é verdade. Tenho propostas até para muitos jogadores do Benfica.

Mantém que o Benfica vai comprar apenas quatro jogadores?
É essa a nossa intenção: promover os jogadores da escola, formados no clube, que o conhecem e sabem a honra e a pressão de jogar com a camisola do Benfica.

Há ano e meio também disse isso e depois fez um pouco o contrário: o Benfica apostou em jogadores estrangeiros e até de idade avançada.
Não é verdade. O Benfica foi a equipa que mais jogadores jovens promoveu. Veja as estatísticas. O que existe é uma enorme máquina de propaganda montada a favor do FC Porto e do Sporting. A realidade, depois, é diferente. Aplaudo essa máquina de propaganda, mas a verdade é que o Benfica é o clube que mais aposta nos jovens. O FC Porto não tem um jogador na selecção de sub-20 ou de sub-21; um único jogador formado no clube e que seja titular com menos de 25 anos. O Sporting tem o Simão e pouco mais. O Benfica...

Está consciente de que os sócios do Benfica trocariam toda a lógica desse seu discurso por um Campeonato, não está?
Digo-lhe isto: é importante possuir uma base sólida. Se não, pode surgir uma vitória e ela ser ocasional. O Benfica está bem estruturado ao nível do futebol. O que se passou a época passada, e volto à sua questão, é que, a determinada altura, fizemos um pequeno desvio para tentarmos ser ainda mais fortes e chegar ao título. Repito-lhe o que disse há pouco: o Benfica, como o Sporting, reconheço isso, têm de ser muito mais fortes que o FC Porto se quiserem ganhar.


Momentos difíceis

Desde há algumas semanas, existe no seu discurso uma tendência nítida de aproximação ao Sporting. Continuo a notar isso hoje...
Não é aproximação, é reconhecer a realidade. Benfica e Sporting, para serem campeões, têm de ser muito superiores ao FC Porto em 20 ou 30% Caso contrário não conseguem ganhar. E no nosso caso isso é difícil. Não se esqueça que nós herdámos o clube em situação de ruptura total, completamente desmoralizado, completamente endividado e que podia fechar as portas ao fim de uma semana. O Benfica facturava cinco milhões de contos e tinha de passivo a 30 dias nove milhões e seiscentos mil contos! Com um passivo global de 15 milhões de contos! Perante uma situação destas, qualquer gestor ou financeiro do mundo diria que não havia outra alternativa a não ser fechar as portas e que a Instituição estava falida. Houve necessidade de tomar medidas dolorosas e daí algumas críticas. Passei por momentos dificílimos. No final de Dezembro de 97 pensei sinceramente que o clube fechava!

Nessa altura teve de começar a injectar dinheiro no clube. Onde o foi buscar?
A questão de fundo na altura era precisamente esta: “Vale a pena injectar dinheiro? Vale a pena assumir responsabilidades e avales? Isto não irá de qualquer maneira para o fundo?” A minha decisão de tentar recuperar o clube foi um enorme risco, até pessoal. Passámos uma situação dramática. Lembro-me que num jogo da Taça de Portugal, em Barcelos, com o Gil Vicente, faltei ao almoço e cheguei atrasado ao jogo, porque fui no carro todo o caminho a telefonar e a resolver problemas. Nesse dia o clube esteve à beira de fechar. A ruptura era gravíssima. Resolvi a situação “in extremis”, dois ou três minutos antes de chegar ao estádio.

Como conseguiu dar a volta à situação? Onde foi buscar o dinheiro?
Consegui resolver com os meus conhecimentos no mundo financeiro, a credibilidade que tenho e a ajuda de bons amigos.

E também com dinheiro do seu bolso?
Também.

Quanto dinheiro foi preciso injectar nessa altura?
Pessoalmente tenho uma conta corrente com o Benfica que na movimentação de dinheiros a crédito terá feito entrar no clube cerca de três milhões de contos. O Benfica devolveu-me cerca de dois milhões. O saldo anda, portanto, à roda do milhão de contos.


Máquinas de propaganda

...
Com esta situação não se podem fazer loucuras em contratações. As máquinas de propaganda do Sporting e do FC Porto dão ideia de uma realidade que não é verdadeira. O Sporting, no primeiro semestre deste ano, teve um prejuízo de um milhão e 500 mil contos. O FC Porto, também em seis meses, apresentou um prejuízo de 400 mil contos apesar de vender Doriva e Artur.

É no mínimo estranho que seja o senhor a pregar a austeridade a duas SAD’s...
Exactamente. Porque há uma máquina de propaganda que tenta limpar todas essas situações. Mas não se consegue esconder a realidade durante muito tempo. O Sporting escondeu essa realidade com a venda do Simão Sabrosa, mas isso é um erro gravíssimo.

Gostava que me falasse mais do clube que dirige: não estará a dizer isso para tranquilizar um pouco a massa associativa do Benfica?
Não é verdade. E não me venha com as grandes contratações do FC Porto e do Sporting. O que vejo é muito fumo, muita animação, propaganda. A informação vem cá para fora e do Benfica não se está a saber nada. Isso deixa-me particularmente satisfeito e permite-nos comprar bem. Não queremos enfiar mais barretes. O segredo é a alma do negócio.
...
Repare uma coisa: em quatro anos, entre 93 e 97, antes de nós entrarmos, o Benfica transaccionou 114 jogadores! E perdeu milhões de contos com essas transacções! Foram raros os jogadores com os quais ganhou dinheiro! Isso não pode ser! Com os jogadores que comprámos, ao contrário, tivemos sempre mais-valias. Tem de haver bom senso. Estamos fechados e por isso lhe digo: ninguém, mesmo ninguém, sabe o que se está a passar. Os jornais inventam nomes todos os dias e não acertam.


O caso Hanuch

Pode esclarecer o que se passou com o jogador Hanuch?
Ainda antes disso: os jogadores estrangeiros que vierem para o Benfica têm de fazer a diferença, de serem titulares indiscutíveis. Não queremos quem venham aproveitar o sol. E esta política está traçada há mais de um ano, fôssemos campeões ou não.

Já teve a oportunidade de dizer isso várias vezes. Podemos ir, então, ao Hanuch?
Espere só mais um pouco. Quero acrescentar isto: o nosso pequeno desvio da época passada foi para reforçar as possibilidades de ganhar aquele campeonato. Era importante que o sistema mudasse e...

Desculpe, mas já se percebeu a sua mensagem. Gostaria, então, que me desse o ponto de vista do Benfica sobre o caso-Hanuch. O que aconteceu?
O Hanuch foi oferecido ao Benfica e observado pelo nosso técnico. A partir daí, fizemos uma determinada proposta. O clube do jogador fez uma contraproposta que não aceitámos por a considerarmos demasiado elevada. Mais nada.

Isso passou-se quando?
Há cerca de um mês. O nome do Benfica só continuou ligado ao processo por interesses vários, dos empresários...

José Manuel Capristano, vice-presidente do Benfica, falou muito depois disso do interesse do Benfica...
Para despistar. Não nos interessa que falem dos jogadores que efectivamente queremos. A proposta que fizemos para o Hanuch foi há um mês, estava ainda o nosso técnico, Jupp Heynckes, na Argentina.

Ok, o Hanuch está verde...
Curiosamente, deixe-me dizer-lhe isto, a contraproposta que achámos elevada era quase metade do dinheiro que o Sporting terá pago pelo jogador. Isto a acreditar nas verbas vindas a lume na Imprensa. E eu sei que às vezes também se especula um bocado.

Quanto lhe pediram por Hanuch?
Dois milhões e meio de dólares.

E foi isso que o Benfica achou demasiado?
Sim, foi.


Bossio e Pizzi

Outros nomes que têm sido referenciados são os do guarda-redes Bossio e do ponta-de-lança Pizzi. Quer comentar?
O nome do Benfica, pela sua grandeza, serve para promover muita gente. O caso do Hanuch, insisto, é típico. Percebi logo, quando se continuou a falar do interesse do Benfica depois de termos desistido, que se estava a preparar uma ida para outro clube. Acabou por ser o Sporting. Nós não vamos nesse tipo de conversa. Hoje em dia, só compramos de acordo com as nossas convicções e de acordo com o dinheiro que temos.

Pizzi chegou a interessar ao Benfica?
É verdade que fizemos uma proposta. E sabe uma coisa? O Pizzi aceitou a proposta do Benfica! Só que depois apareceu o empresário de premeio, pôs-se a fazer exigências e o Benfica desistiu. Mas já vi na Imprensa precisamente o contrário! É completamente mentira! Nós temos a faca e o queijo na mão. Há poucos clubes que possam pagar como o Benfica...

... É curioso que diga isso...
Repare: o Benfica está entre os maiores dez clubes do mundo em receitas.

Mais uma razão para poder comprar bons futebolistas...
Não! Mais uma razão para apostarmos na limpeza do passivo. Se tivéssemos começado da estaca zero seria diferente. Mas, agora, o Benfica tem de limpar completamente a parte financeira para depois aparecer em toda a pujança, que efectivamente possui, a comprar jogadores excepcionais por verbas excepcionais. Neste momento seria um erro. Não quero que mais alguém venha a sofrer no Benfica o que eu sofri. E de tal modo sofri que houve pessoas que não aguentaram e saíram... enquanto outras arregaçaram as mangas, arreganharam os dentes, e foram à luta. Foi duro aguentar.

Bossio, o guarda-redes, interessa ao Benfica?
Fala-se em muitos nomes mas não lhe vou confirmar nenhum. Depois da assembleia geral de amanhã, na altura própria, iremos apresentar com calma os jogadores. Uma coisa, no entanto, digo aos benfiquistas desde já: o Benfica vai ter um plantel melhor do que o actual. Vai haver, naturalmente, compras e vendas. E não há jogadores inegociáveis ou insubstituíveis. Que fique bem claro isso, assim como o seguinte: enquanto for o presidente, o Benfica irá apostar muito nos jovens e nos jogadores formados no clube. Quanto aos quatro estrangeiros, cumpriremos a promessa de serem reforços efectivos da equipa.


Falar de Souness

Está arrependido de ter contratado Souness?
Relembre-se o enquadramento: eu contratei o Graeme Souness como candidato a presidente, numa luta eleitoral. Isso apenas permite uma escolha limitada. Mas, dentro dessas limitações, reafirmo: Souness era o melhor dos quatro ou cinco nomes com quem falei. Se na altura fosse já presidente teria sido muito diferente. Possivelmente escolheria outro treinador porque teria uma hipótese de escolha alargada.

E, se pudesse voltar atrás, teria prescindido de Souness mais cedo, até em face da contestação dos sócios?
É difícil dizê-lo. Vou fazer-lhe uma confidência: o ano passado, por esta altura, reflectimos muito a propósito de Souness ser o treinador certo para a época que se iria seguir. Esteve sobre a mesa a possibilidade de alterar a equipa técnica do Benfica.

Reflectiu com quem?
Com o senhor José Capristano e uma ou outra pessoa responsável do clube.

É curioso que diga isso, pois o curto período de Souness até aí, percebe-se hoje, foi o melhor dele no Benfica.
(Tossindo) Tinha feito um belíssimo trabalho, sem dúvida, mas já tínhamos algum receio que não fosse o treinador para gerar os tais 20 a 30% de superioridade que o Benfica precisava para ganhar o Campeonato ao FC Porto. Havia que dar um salto grande sobre o “sistema”.

E tinha a sensação que Souness não servia para isso?
Tínhamos a sensação que o Benfica precisava de ligeiramente melhor. Um Benfica igual ao do ano anterior não bastaria para ser campeão, como veio a provar-se. Há pequenas coisas que são difíceis de explicar. Só quem está por dentro do futebol o percebe... O Benfica sofreu muitos golos nos últimos minutos e para lá da hora. Isso tem o significado.

Pode ter, mas parece-me que não tem nada a ver com o treinador, sobre quem estávamos a falar...
Tem. Apesar de tudo não perderíamos se estivéssemos a ganhar por dois ou três a zero.

Souness não era suficientemente ambicioso para o Benfica? Parece-me estranho que diga isso. Se Souness tinha alguma coisa era, talvez, uma ambição desmedida, acima das possibilidades dos jogadores...
Não estou a falar de ambição. Precisávamos de uma pessoa mais sofisticada.

Não quererá, antes, dizer que o Benfica precisava de um treinador que trabalhasse e fizesse trabalhar mais e que também não se ausentasse tanto de Portugal e tivesse complexos de superioridade sobre a valia dos adversários?
Quando digo sofisticado estou a referir-me a muitos níveis. Talvez alguns desses e outros. Tínhamos de subir mais um degrau...

E não subiram nem dispensaram Souness...
Acabámos por acreditar que talvez viesse a haver mais verdade desportiva. Foi um erro de avaliação.


Contactos com Heynckes

Quando pensou, então, depois disso, na saída definitiva de Souness?
Em Dezembro último. Os contactos com Jupp Heynckes remontam a essa altura.

Com outros treinadores também?
Naturalmente. Falámos com vários. Aí o processo de escolha foi diferente. Como presidente do Benfica assisti a uma situação inversa da que tinha conhecido no processo da contratação de Souness: todos os treinadores queriam trabalhar no Benfica. Era uma grande honra para eles estarem a falar comigo. Como candidato encontrara uma desconfiança natural e normal.

Voltará, algum dia, a dar tanta autonomia a um treinador quanto aquela que deu a Souness?
É uma falsa questão. Souness não tinha essa autonomia que pretende que ele tinha.

Mas parecia, desculpe. Pelo menos para comprar e vender jogadores. Era ele quem trazia e levava para o mercado britânico...
Não é verdade. Não tinha essa autonomia. Agora a questão do mercado britânico... era normal! É um mercado que ele conhecia bem e estávamos no tal desvio ao projecto, de curto prazo, para tentarmos o reforço tendente à conquista do Campeonato. Essas contratações visaram isso.

Passemos à frente. Hoje isso já tem um interesse limitado. Essas compras como a venda de Deane...
(Sem ouvir) Mas tivemos sempre de enfrentar imensas dificuldades: as multas e os processos da Liga, a Imprensa sempre a desestabilizar, muitos “opinion makers” sempre a escrever contra o Benfica. Enfim, o estigma permanente do contra. Foi por isso que resolvemos optar por comprar alguns jogadores mais experientes e da confiança do treinador...

Com os resultados que se sabe, aliás. Mas eu gostaria de passar à frente nessa matéria e falar do futuro.
(Insistindo) Digo-lhe, no entanto, outra coisa: ao fim de algumas jornadas vi logo que era impossível ser campeão. Falava de maneira diferente porque era importante motivar os jogadores e as nossas hostes, mas achava que era praticamente impossível ganhar. As pessoas que se moviam à minha volta sabem que estou a dizer a verdade. Foi o que se passou com José Roquette no Sporting. Mas esse disse-o de viva voz. Como está o “sistema” em Portugal, torna-se muito difícil a qualquer equipa que não o FC Porto ganhar.

Lá está a puxar o Sporting para o lado do Benfica...
... A não ser que os clubes se unam mais e comecem a banir muitas ervas daninhas do futebol. Se isso acontecer, e se o Benfica e o Sporting se reforçarem, então é possível discutirmos o título.

Outra pergunta concreta em relação a Souness: quem estava de fora pensou sempre que a relação dele consigo era de extrema cumplicidade. Por isso mesmo, tornou-se ainda mais estranho que tudo tenha terminado da maneira violenta que se conhece. Não concorda?
Não. Lamento que a relação com Souness tivesse acabado daquela maneira, e muito sinceramente o digo. Mas, quanto à cumplicidade, digo-lhe apenas isto: o presidente tem sempre de apoiar o treinador até ao fim. Incondicionalmente! O meu apoio a Souness foi aquele que daria, e darei, a qualquer outro.

Se começou os contactos com Heynckes em Dezembro, porque quis levar Souness até ao fim?
Porque não se justificava mexer antes do final da época. Era preciso estabilidade. Mesmo os técnicos com quem contactei me chamaram a atenção para esse aspecto. Todos eles. Alterações naquela altura poderiam ser fatais. Lembre-se que até ao jogo com o Boavista o Benfica se encontrava a um ponto do FC Porto. Em Março, no último terço do Campeonato.

Souness sairia mesmo que ganhasse?
Sim. O contrato com o sr. Jupp Heynckes foi celebrado muito antes de ser conhecido na Imprensa, o que demonstra como o Benfica está fechado. Heynckes passou três ou quatro dias em minha casa em finais de Fevereiro, princípios de Março. Assinou contrato e começámos a planear a próxima época. Eu mesmo estive na Alemanha em casa dele e ninguém soube. Isso demonstra que o Benfica está no bom caminho. Posso dizer-lhe que hoje 99,9% das informações que vêm na Imprensa sobre jogadores são falsas ou especulativas. Estamos bem contentes com isso.


"Desagradável surpresa"

É verdade que Souness o ameaçou numa daquelas últimas conversas?
Por razões de decoro, e de defesa do próprio clube, não é conveniente falar sobre esses aspectos.

Foi uma conversa desagradável?
O comportamento do senhor Souness acabou por ser uma desagradável surpresa. Esperava outra dignidade na saída. E tenho pena que ele tenha saído daquela forma, auto-excluindo-se, porque na verdade ainda é treinador do Benfica. Está com um processo disciplinar, mas tenho pena que tenha feito o que fez, dito o que disse. Muita, muita pena.

Há quem diga que todo este processo é uma tentativa de não pagar a Souness aquilo a que ele tem legitimamente direito. Como responde?
É completa demagogia. É a tal máquina de propaganda a funcionar. E de uma maneira esquizofrénica. O mercado precisa de um Benfica positivo e há quem arranje tudo para dar notícias negativas. Vê sempre o copo vazio em vez de meio cheio. É uma realidade dos últimos anos. A diferença, agora, é que nós respondemos e vamos demonstrando, na prática, que isso não é verdade. E temos dada tanta bofetada de luva branca que essa máquina de propaganda está a mudar ligeiramente.

Essa má vontade informativa é de quem?
Global.

Mas se o Benfica é o maior clube de Portugal...
(Interrompendo) Por isso mesmo. O Benfica é grande de mais, maior do que Portugal. E como passa as fronteiras do País, o mercado do futebol, na ânsia de vender mais à custa do Benfica, faz tudo. Vale tudo, até arrancar olhos. Mas sobretudo alguma Imprensa...

Gostava que fosse mais explícito.
Estou a falar globalmente. Há sempre excepções, é claro, mas a regra é atacar o Benfica e o seu presidente. Em qualquer processo, judicial ou outro, o Benfica vai perder! Logo! Na FIFA perdemos qualquer queixa. Vamos descer de Divisão. Vamos ser banidos de todas as provas. Vamos perder o processo com a Olivedesportos e pagar oito milhões de contos. Pelo Paulo Madeira teríamos de pagar 400 mil contos ao Belenenses. Pelo Paulo Nunes era um milhão de dólares. Enfim, poderia dar-lhe dezenas de exemplos nos quais o Benfica teria e terá um final trágico! Coisas gravíssimas! O presidente pendurado na corda! Isto é a realidade de quem lê os jornais!

Está a generalizar, embora ache que tem razão em algumas coisas que diz e em relação a órgãos de informação específicos e...
(Embalado) Não estou a generalizar. E depois o que acontece? Afinal o Benfica não desceu de Divisão, não foi corrido das provas da UEFA, não pagou qualquer verba pelo Paulo Madeira, venceu todos os processos postos na FIFA, afinal o Manchester dá-se bem com o Benfica, afinal o Sheffield United até nos vende outro jogador, enfim! Esta é a realidade! E quem diz os jornais diz a rádio e a televisão. É o clima geral.

Espero que ao menos da SIC não tenha razões de queixa...
(Sem se deter) E depois, antes de verem o lado positivo da decisão positiva, metem essas notícias em pé de página. Cheguei a zangar-me com alguns jornais nos casos do Manchester e do Sheffield porque o Benfica est va a defender os seus interesses e a Imprensa é que nos atirava para o fundo. Nem em Inglaterra os jornais nos tratavam assim. E essa ansiedade e tragédia obrigou o Benfica a prejudicar-se. Fizemos um acordo bom, mas poderia ter sido ainda melhor. Agora com a Olivedesportos é a mesma coisa. Antes e depois das sessões perdemos sempre! Há sempre coisas gravíssimas da parte do Benfica. E é ao contrário: a Olivedesportos é que deve dinheiro ao Benfica!


Inquéritos a treinador

O tribunal apurará isso. Mas eu gostava de voltar a Souness. Quais as razões pelas quais o Benfica lhe instaurou os inquéritos?
O primeiro, colocado a Souness e Phil Boersma, tem a ver com questões passadas nos treinos na semana anterior ao jogo com o Campomaiorense e durante o próprio jogo.

Coisas para além daquelas que vieram a público?
Sim. Esse inquérito levou à suspensão. E depois foi-lhe instaurado um processo disciplinar com base nas declarações que fez numa segunda-feira, 3 de Maio, no Estádio da Luz. Esse é um processo para despedimento. O Phil Boersma também veio a ter um processo disciplinar mais tarde por declarações feitas numa entrevista a um jornal desportivo, uns dias mais tarde, contra o clube e alguns dos nossos jogadores.

Voltaria a fazer aquela Conferência de Imprensa em que acusou alguns jogadores do Benfica de serem ricos e mimados?
Naturalmente. Entendo que a cultura recente do clube privilegiou a riqueza e o mimo em vez da ambição e da vontade de vencer.

O que está a fazer para inverter essa tal cultura?
Vamos apostar em jovens formados no clube em quem será incutido esse sentimento da necessidade da vitória. Primeiro há que vencer. Depois pode haver a compensação monetária. Tem de haver respeito pelo Benfica e eu posso dizer-lhe que esse é outro mal. Há alguns jogadores que não respeitam o clube.

De que forma isso se manifesta?
Por exemplo, falam quando querem e lhes apetece. O jogador tem de respeitar o clube e não pode dizer mal dele, colocar o Benfica em causa ou ameaçar com acções em tribunal, etc., etc.

Esses jogadores sairão durante este defeso?
Qualquer jogador que coloque o Benfica em causa, falando quando não deve ou sem estar devidamente autorizado, terá sanções disciplinares muito pesadas.

Não acha isso uma limitação à liberdade individual do cidadão futebolista?
Não. O senhor, por exemplo, como Director do jornal, também não anda a dizer mal do patrão.

É curioso: não me lembro de um jogador que tivesse dito mal do clube...
Qualquer declaração que ponha em causa o clube, os companheiros, o treinador, os dirigentes, os sócios ou os adeptos é grave. O jogador é para jogar, não para falar e muito menos de coisas que lhe não dizem respeito. Não têm de comentar as opções do treinador e se o companheiro que lhe rouba o lugar é melhor ou pior. Só tem é de se esforçar nos treinos para reconquistar o lugar. Não podemos admitir que jogadores façam isso e usem os jornais para promoverem determinadas mensagens.


JVP a Preud'Homme

Disse há pouco que o Benfica não tem jogadores inegociáveis, portanto isso também é válido para João Vieira Pinto...
(Interrompendo) Qualquer jogador!

O que pretendo saber é se o João Vieira Pinto é, para si, o capitão de que o Benfica precisa?
É o actual capitão do Benfica.

Isso eu sei. O que pretendo saber é isto: quando o senhor falou em jogadores ricos e mimados toda a gente pensou em alguns nomes, nomeadamente no capitão, que é também o futebolista mais emblemático do clube. É legítimo fazer esta associação?
Não é legítimo fazer qualquer referência a qualquer jogador. Eles sabem a quem eu me referi.

Disse-lhes directamente quem eram?
Eles sabem a quem, no balneário, eu me referi. Fiz o meu discurso aí. Tudo o que se possa dizer agora sobre isso é puramente especulativo e não faz sentido.

Enke pode ser vendido ainda antes de vestir a camisola do Benfica?
Temos uma proposta. E como não há jogadores inegociáveis...

Que outros jogadores podem sair?
Não vou falar disso. Há vários, mas o segredo é a alma do negócio.

Preud’homme não vai continuar como jogador?
Não falo sobre situações que não estão na altura de ser publicitadas.

Quando o vai fazer?
Na altura oportuna. Todos os jogadores com quem não contarmos serão informados pessoalmente das nossas intenções. Só depois haverá divulgação pública. Nenhum deles saberá pelos jornais.

Desculpe insistir. Parece ser nítido que o Benfica se quer desfazer da componente britânica do plantel. Faço só uma pergunta: de que maneira conta convencer Thomas, um jogador aparentemente sem mercado, a abandonar?
Não sei se é nítido ou não. Por acaso, neste momento temos uma proposta para o Thomas. Está a ver?


Caso Hugo Leal

Qual é o ponto da situação do caso-Hugo Leal?
Tem contrato até 2003 e, como se sabe, colocou o Benfica em tribunal ou, melhor dizendo, em xeque na Comissão Paritária. E, no entanto, tinha assinado esse contrato de livre vontade, assim como o seu pai. Não é uma situação que me dê satisfação.

Desconhece que o jogador assinou um compromisso com o Atlético de Madrid e pretende ter apenas mais um ano de contrato com o Benfica?
Desconheço as intenções do jogador, mas naturalmente não fico feliz. Assim como não fico feliz que um jogador do Benfica vá passear para o Porto para demonstrar que tem boas relações com o FC Porto
...
É óbvio que o futuro desses jogadores no Benfica será mais limitado. O Hugo Leal, volto a esse caso, colocou em causa o Benfica - e eu não admito isso a qualquer jogador, seja ele quem for. A atitude do Hugo Leal, se for da responsabilidade dele e eu ainda tenho esperança que não seja, coloca uma nódoa na relação com o Benfica.

Não é, portanto, um jogador com queira contar no futuro?
A questão não é essa. Em termos de Benfica, o Hugo Leal não se portou bem. E, naturalmente, pomos algumas reticências.

É curioso que Jupp Heynckes se mostre precisamente preocupado com a continuação de Hugo Leal, não acha?
Não bastam as qualidades técnicas no campo. Há outras que também têm de ser consideradas. A filosofia vai ser diferente. Temos de apostar em jogadores que sintam a camisola do Benfica e respeitem o clube.


Política de empréstimos

O Benfica tem claramente definida a política de empréstimos para a próxima época?
Tem. Vamos privilegiar os clubes mais amigos, naturalmente.

O Santa Clara está nesse lote?
Naturalmente. É uma filial. Fizeram-nos um pedido e vamos tentar satisfazê-lo.

A aposta no Alverca irá manter-se?
Sim, também. E há outros.

Resumidamente, o que espera de Jupp Heynckes?
É um treinador que esperamos venha a fazer um bom trabalho em muitas áreas, nomeadamente na tal mudança de mentalidade e de hábitos de trabalho. O “dolce fare niente” já vem de há muito tempo, não era um exclusivo da época do sr. Souness. Queremos treinos mais duros e maior envolvimento dos jogadores no clube. Pelo seu passado e experiência, temos confiança em que tem condições para o fazer.


Defender a estabilidade

O senhor dirige um elenco fragilizado por demissões. É legítimo pensar que poderá desencadear a realização de eleições a curto prazo?
Tenho defendido a estabilidade do Benfica até ao limite. Se sentisse essa fragilidade, de que fala, não teria continuado a apoiar o clube da forma como ainda o fiz há alguns dias, com um pagamento substancial... Meio milhão de dólares [cerca de 90 mil contos].

Se tivesse a Direcção mais preenchida, provavelmente não correria tantos riscos na próxima época. Há sempre a possibilidade de mais uma demissão a meio do caminho. No sentido de conseguir a estabilidade talvez fosse preferível para si as eleições. É por isso que coloco a questão.
Às vezes são melhores poucos e bons. Há que confiar nas pessoas. E eu confio em quem me acompanha cegamente.

Coloca de lado definitivamente a questão das eleições antecipadas com o senhor a provocá-las?
Não vejo razões para isso.

Como viu as intervenções públicas de António Sala na área do futebol na época passada?
Já se falou demasiado nesse assunto. Ele sabe qual é a minha opinião e essa é a que importa, não é a opinião pública.

Quem é o número dois do seu elenco?
O sr. José Manuel Capristano. Desde o início. É uma pessoa com um conhecimento profundo do clube, ao qual dedica muito tempo.


Sporting "enganado"

Nesta entrevista, como nos últimos tempos, tem tido declarações que indiciam um desejo de aproximação ao Sporting. É legítima esta interpretação?
Não sei se é legítima. O que sinto é que o Sporting tem muitos problemas idênticos aos do Benfica e foi muito enganado na “santa aliança” com o FC Porto. O Sporting é um clube nacional, o segundo, com muitas tradições. É mais legítimo um Sporting independente, a decidir pela sua cabeça e sem estar ligado ao FC Porto. Penso, aliás, que o Sporting já percebeu que a ligação ao FC Porto não lhe trouxe benefícios.

Quer, então, o Sporting ao seu lado na luta contra o tal “sistema”...?
Quero é o Sporting a defender os seus interesses e do futebol português.

Como vê, de fora, o caso-Toñito?
É sempre lamentável esse tipo de situações.

Estava à espera de um conflito assim entre o Sporting e o FC Porto?
Pensava que ambos os clubes tivessem percebido que este tipo de disputas só os prejudica.

Qual é o dirigente desportivo com quem tem melhores relações?
Tenho boas relações com quase todos. São poucos os que estão na situação contrária. Mas como não admitimos determinados comportamentos, nesse perspectiva decidimos não nos misturar.

Como estão as relações com a Liga e o major Valentim Loureiro?
Temos boas relações com o major Valentim Loureiro, mas entendemos que a Liga tem de mudar muito. Não pode ser acusada de favorecer o FC Porto ou o Boavista.

O FC Porto é dos clubes que mais se tem queixado.
Lágrimas de crocodilo. É para tentar tapar os olhos às pessoas.


A Assembleia Geral

Segunda-feira vai apresentar aos sócios o orçamento para a próxima temporada. Quais são as linhas mestras do documento?
Pela segunda vez, é um orçamento de estratégia, ainda mais sofisticado que o do ano passado. Justificamos o porquê das despesas e das receitas. O documento prova que o Benfica está estável economicamente. O clube tem mais receitas do que despesas.

O orçamento aponta para um lucro de 143 mil contos...
Sim, o lucro depois de amortizações, provisões, etc. Mas, na realidade, o clube vai libertar dois milhões e 400 mil contos positivos. É essa a diferença entre as receitas e as despesas, o que permite a libertação de um passivo absolutamente agonizante.

Qual o montante desse passivo?
Reduzimo-lo em cerca de 60%. O passivo não é uma coisa estática, ao contrário do que algumas pessoas possam pensar, mas a 30 de Junho de 1999, dependendo de alguma coisa que possa acontecer - compra de jogadores, por exemplo -, será da ordem dos cinco milhões de contos.

Isto significa que...
(Interrompendo) Significa que o diminuímos em cerca de oito milhões de contos.

De que forma promoveu esse abatimento?
Com a venda de terrenos e o “cash flow” originado por outras transacções, como a venda de jogadores. O Benfica tem gerado riqueza para diminuir o passivo, o que é muito bom. Quando aqui chegámos tínhamos um prejuízo de 300 mil contos por mês. É bom não o esquecer.

O Benfica deve à banca?
Quase nada. Devemos apenas cerca de 100 mil contos de um pagamento que não nos interessa antecipar. Quando cheguei devíamos três milhões e seiscentos mil. É só para ver as diferenças.

Como se compõe, então, o passivo?
De dívidas a fornecedores. E aí estão incluídos os jogadores cujo pagamento é feito a um ano, dois anos, diferido no tempo. Isso é passivo. Por isso é que, atrás, lhe fiz a ressalva do passivo a 30 de Junho próximo. Podemos comprar jogadores e assumir outros encargos. Isso é normal.

O ciclismo está a dar lucro?
Neste momento não, mas não estávamos à espera que desse no primeiro ano. Seria um milagre. De qualquer maneira, é preciso analisar as receitas indirectas, por exemplo na venda de “merchandising”, na loja móvel, etc.

Quanto custa o ciclismo ao Benfica?
Não é significativo. Gastamos menos do que com o basquetebol e mais ou menos o mesmo que com o hóquei em patins.


EURO 2004 e G14

Acredita no Euro 2004 em Portugal?
Acredito. Temos todas as condições para isso. Quem anda lá por fora só tem receio por ouvir falar nas tais arbitragens, nos tais resultados esquisitos...

Se calhar também nos problemas do Benfica com o Manchester e com Souness...
Não, não se fala. Isso é empolado cá em Portugal. Se não, não contrataria o técnico que contratou e os jogadores que está a contratar. Por isso me indignei. Acha que Heynckes viria para Portugal se o Benfica fosse só aldrabice e vigarice, cheque carecas, como se diz por aí, em alguns círculos.

Já agora diga-me os nomes dos tais futebolistas de prestígio...
(Sorrindo) Não digo. Fica para a altura devida.

Porque não está o Benfica no Grupo dos G14?
O Benfica é o segundo clube do “ranking” da UEFA. Face ao seu prestígio e ao mercado que tem - a facturação do clube coloca-o entre os dez maiores clubes da Europa - não está preocupado com isso. Mas é preciso lembrar como se formou o G14, a partir do embrião de 5/6 clubes (ganhadores de provas europeias por mais de cinco vezes), por causa dos assuntos da Superliga e das relações com a UEFA. Esse núcleo alargou-se por motivos vários. Por exemplo, chegou-se à conclusão que não fazia sentido estar lá o Liverpool e não estar o Manchester. E por aí adiante. Ora na véspera da primeira grande reunião, o sr. Pinto da Costa ligou ao presidente do Real Madrid, Lorenzo Sanz, para ir a essa reunião. Acabou convidado e ficou. Mas vários clubes desses nos têm contactado. Não percebem como Portugal está representado por um clube inferior ao Benfica em termos económicos, de “ranking” e de massa associativa. Realmente não faz sentido. A explicação que adiantam é mesmo essa: neste momento, dada a correlação de forças, interessa-lhes que lá esteja um clube pequenino, que seja o porta-voz dos pequenos da Europa. O Benfica, também lhe digo, nunca lá iria para se colocar em bicos de pé para as fotografias. O Benfica estará sempre numa posição interventiva. De qualquer maneira, repare, estas reuniões têm sido desvalorizadas. Na última só estiveram os presidentes dos dois clubes espanhóis e do português.