2007-03-09 - 13:00:00 - CM revela despacho de instrução - Escutas decisivas e legais
As escutas telefónicas foram o principal meio de prova que permitiu ao Ministério Público deduzir acusação no processo de Gondomar, diz o juiz de instrução Pedro Miguel Vieira no despacho em que levou 24 dos 27 arguidos a julgamento, a maioria por crimes de corrupção.
Segundo o magistrado, as escutas são “perfeitamente demonstrativas” da pressão que era exercida por Valentim Loureiro e José Luís Oliveira sobre Pinto de Sousa no sentido deste nomear árbitros que favorecessem o Gondomar Sport Clube.
Pedro Miguel Vieira frisa que a criminalidade em causa (corrupção), a forma como se consumou e a sua complexidade tornaram extremamente difícil a elaboração da acusação, por parte do procurador Carlos Teixeira, sem o recurso a partes das transcrições das chamadas telefónicas escutadas durante a fase de investigação.
O magistrado sublinha ainda que as mais de 16 mil horas de escutas foram feitas a coberto de decisão judicial e que se tal não tivesse sido feito, os arguidos não seriam julgados. E salienta que a juíza que autorizou as intercepções telefónicas, Ana Cláudia Nogueira, “procedeu no mais curto espaço de tempo” à sua audição, “mandando transcrever aquelas” que tinham interesse para a investigação do processo ‘Apito Dourado’.
“[...] Reafirmo que as escutas telefónicas realizadas nos presentes autos contaram com a supervisão e acompanhamento judicial, tendo em vista assegurar a salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos dentro das contingências inerentes à complexidade e dimensão do processo”, acrescenta Pedro Miguel Vieira.
Para rebater o facto de alguns arguidos terem defendido a ilegalidade da destruição de parte das escutas, o juiz lembrou que a “contextualização” das conversas sempre poderá ser feita no julgamento, o que lhes permitirá exercer os seus direitos de defesa.
FOTOGRAFIAS
Quanto às fotografias existentes nos autos, cuja legalidade foi posta em causa pelo arguido José Luís Oliveira, o juiz Pedro Miguel Vieira diz que foram obtidas em locais públicos e sem a intenção de devassa da vida privada. E disse também que a maioria das fotos estão junto a relatórios de vigilância que a Polícia Judiciária efectuou a alguns arguidos.
Em relação aos principais arguidos, o magistrado considera que o Ministério Público conseguiu provar que foi devido à influência política de Valentim Loureiro que Pinto de Sousa integrou – como convidado e com hotel pago – a comitiva do primeiro-ministro Durão Barroso, em fins de Março de 2004, numa viagem a Moçambique. E que Pinto de Sousa queria agradar a Valentim Loureiro, enquanto presidente da Liga, para poder contar como contrapartida a garantia de liderar o Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol.
De José Luís Oliveira, o juiz também não teve dúvidas em referir na decisão instrutória que, com a comparticipação e/ou auxílio moral dos também arguidos Castro Neves e Luís Nunes Silva, conseguiu, ou pelo menos solicitou, através da atribuição de vantagens ilegítimas, convencer os árbitros a beneficiar o Gondomar.
MAGISTRADO CONTRARIA PARECER DE CANOTILHO
O juiz de instrução entende que não há qualquer inconstitucionalidade nas leis, aprovadas em 1991, que punem a corrupção no desporto, ao contrário do que foi defendido pelo professor catedrático Gomes Canotilho num parecer elaborado a pedido da defesa de José Luís Oliveira.
O documento foi junto aos autos pela defesa de quatro arguidos que punham em causa a constitucionalidade da Lei n.º 49/91 de 3 de Agosto, o que poderia comprometer o processo ‘Apito Dourado’. O constitucionalista considera que a legislação não é válida, mas o juiz discorda.
PRESSÕES
“Não se pode [...] olvidar o depoimento [da] testemunha Carolina Salgado, que confirmou a existência de diversos encontros entre [...] Valentim Loureiro, [...] Pinto de Sousa e inclusive o senhor Pinto da Costa [...], onde para além do mais [...] Valentim Loureiro pedia explicações a Pinto de Sousa e pressionava-o [...]
SISTEMA
“As declarações de [...] Gilberto Madaíl [e das testemunhas], Arsénio Gravato e Elísio Amorim indiciam que o nome de Pinto de Sousa [para a presidência do Conselho de Arbitragem da FPF] surgiu por ser uma pessoa do ‘sistema’ [...] e por forma da especial relação [...] que mantinha com [...] Valentim Loureiro
ÁRBITROS
“[...] José Luís Oliveira, com o auxílio essencial do arguido Valentim Loureiro, solicitava [...] a Pinto de Sousa a nomeação de determinados árbitros, prévia ou posteriormente (mas sempre antes do jogo), ‘controlados’. [...] Pinto de Sousa [...] acedia a nomear os árbitros solicitados por José Luís Oliveira
JUIZ DISCORDA DE MARIA JOSÉ MORGADO
O juiz de instrução discorda de Maria josé Morgado em relação ao enquadramento legal que deve ser dado ao crime de corrupção para acto desportivo. A posição de Maria José Morgado, expressa durante o I Congresso de Direito do Desporto, realizado em 2004, é a de que os artigos 372.º e 374.º do Código Penal não se aplicam ao fenómeno desportivo. Todavia, para o juiz Pedro Miguel Vieira, apesar da posição de Morgado ser “susceptível de permitir concluir como conclui o arguido [Valentim]”, a tese não é defensável. “(...) o tribunal, através da posição por mim manifestada nesta decisão, não partilha da posição assumida por aquela magistrada (e que até hoje não vi alterada) ou pelo menos não concorda com uma tal conclusão”, afirma o magistrado no despacho.
Para Pedro Miguel Vieira, a tese de Maria José Morgado sobre a matéria “anda longe de corresponder àquilo que é (...), a boa interpretação do direito”. O magistrado defende que o decreto-lei que pune a corrupção para acto desportivo é aplicável quando o bem jurídico afectado seja exclusivamente o que é protegido por tal diploma, ou seja, a verdade desportiva. Acontece que neste caso está também em causa o valor da autonomia do Estado.
O QUE DIZ O JUIZ
- “Nestas situações não está só em causa a protecção da verdade, lealdade e correcção da competição e do seu resultado, no respeito pela ética das competições desportivas. Está também em causa a conduta de um funcionário, a qual, preenchendo os elementos típicos dos artigos 372.º, 373.º e 374.º do Código Penal, se apresenta como violadora ou manipuladora de um bem jurídico com muito maior dignidade penal: a autonomia intencional do Estado.”
- “Os comportamentos descritos na acusação e imputados ao arguido Valentim Loureiro sempre seriam punidos, como são, por força da especial qualidade de funcionário (nos termos da lei penal) do arguido Pinto de Sousa.”
- “Daí que não vislumbre na Lei n.º 49/91, de 3 de Agosto (e, consequentemente, no Decreto-Lei n.º 390/91, de 10 de Outubro), qualquer inconstitucionalidade, nomeadamente as apontadas pelos arguidos José Luís da Silva Oliveira, Américo Manuel Santos de Sousa Neves e Agostinho José Nogueira Duarte da Silva e explanadas no douto parecer, elaborado pelo Professor Doutor José Joaquim Gomes Canotilho.”
- “O principal argumento avançado pelos arguidos quanto à validade ou legalidade do despacho que, em primeiro lugar, decretou e autorizou as escutas telefónicas em causa, acaba por redundar sempre na falta de fundamentação do mesmo.”
- “Na verdade, a intercepção de comunicações é um instrumento que se caracteriza pela surpresa e pela natureza oculta, e que tem enorme eficácia para a investigação.”
- “Há ainda que acrescentar o facto de as escutas telefónicas serem perfeitamente demonstrativas da pressão que era exercida pelos arguidos Valentim Loureiro e José Luís Oliveira sobre o arguido Pinto de Sousa, no sentido de este actuar da forma pretendida por aqueles.”
- “Não se pode ainda olvidar o depoimento prestado pela testemunha Carolina Salgado.”
ÁRBITRO DENUNCIOU CORRUPÇÃO: ACUSAÇÃO SEM PROVAS
O juiz Pedro Miguel Vieira considerou que o Ministério Público não conseguiu reunir provas que sustentasse a acusação por um crime de corrupção passiva, contra o árbitro que esteve na origem do processo ‘Apito Dourado’, Rui Mendes.
Segundo o magistrado, o facto de Rui Mendes ter aceitado dirigir o jogo Trofense – Gondomar (2001), a pedido de José Luís Oliveira, não teve como objectivo receber qualquer contrapartida, “obviamente ilegítima”. Diz o juiz, que na acusação não é sequer referido um único facto acerca de um encontro que acabou empatado.
SUPERDRAGÕES: MADUREIRA ARGUIDO
Fernando Madureira, líder dos SuperDragões, foi constituído arguido por suspeita de envolvimento na agressão ao vereador Ricardo Bexiga. Ouvido na PJ do Porto, Madureira afirmou estar de “consciência tranquila”.
PINTO DA COSTA: PGR REABRE INQUÉRITO
O procurador-geral da República, Pinto Monteiro, já decidiu as reclamações hierárquicas de Pinto da Costa, Reinaldo Teles e António Araújo, contra a reabertura do chamado “processo das prostitutas” e terá mantido a decisão de Maria José Morgado.
NOTAS
OBJECTOS EM OURO
Os objectos em ouro entregues aos árbitros tinham como contrapartida ajudar o Gondomar.
"PASSÁMOS À FRENTE"
Após uma vitória do Gondomar, Valentim disse a Oliveira: “Passámos à frente?!”
INDUSTRIAIS DE OURIVERSARIA
Os ourives António e Mário Ribeiro confirmaram que deram objectos em ouro a Oliveira.
CAUÇÃO REVOGADA
Pedro Miguel Vieira revogou a caução de 25 mil euros aplicada ao arguido Francisco Costa.
Octávio Lopes