Volto ao parecer do Prof. Antunes Varela que, contra a opinião que se publica e até contra uma estranha sentença de 1ª instância, veio dar razão ao Benfica no mediático conflito que opõe o clube a uma empresa intermediária, mas muito poderosa e omnipresente no futebol português, a Olivedesportos. Recorde-se que tudo começou quando a actual Direcção do clube, logo após ter tomado posse, entendeu por bem declarar nulos os contratos feitos em 1996 entre a anterior Direcção e a referida empresa, envolvendo a cedência de alegados direitos televisivos... até ao ano 2004!

Depois de quase três anos de mistificações e manipulações, é um exercício salutar.

Em linguagem corrente, diz o ilustre civilista e mestre de Direito que, quando nesse ano de 1996 o presidente do Benfica, sr. Manuel Damásio, assinou três contratos com o patrão da Olivedesportos, sr. Joaquim Oliveira, entregando-lhe em regime de exclusividade os chamados direitos televisivos dos jogos que o Benfica iria disputar no seu estádio até 2004, por 930 mil contos, estava não apenas a cometer uma ilegalidade e a defraudar a lei, mas também a vender uma coisa que não tinha. O que, desde logo, os tornava nulos e de nenhum efeito e justificava a declaração feita tempos depois pela nova Direcção..

Esses contratos eram, aliás, feridos de várias outras nulidades, a mais espantosa das quais era uma brutal e humilhante imposição da empresa contratante, através da qual o clube aceitava abdicar do seu próprio direito de voto nas assembleias gerais da Liga de Clubes, para favorecer os interesses da empresa - mas tudo posto assim preto no branco num contrato escrito!

Mas vamos ao cerne da questão - a cedência ou transmissão à Oilvedesportos dos direitos de televisão que Damásio subscreveu a troco de 930 mil contos. A realidade é que os clubes não são titulares dos chamados direitos televisivos, como inevitavelmente se retira da Lei 58/90, de 7 de Setembro de 1990, conhecida pela Lei da Televisão, quando esta restringe o exercício desses direitos aos operadores públicos ou privados, que deverão ser rigorosamente seleccionados e portadores de concessão ou licença próprias, mediante concurso público.

Do que os clubes são titulares é do direito ao espectáculo que promovem, tal como, por exemplo, a UEFA detém ou titula os direitos ao espectáculo nas provas que organiza ou certas Ligas, como a de Inglaterra, num modelo legal distinto do nosso.

Mas os clubes, como a UEFA ou as Ligas, não podem eles próprios exercer por si esses direitos.

O que poderão é autorizar que a faculdade intelectual ou incorpórea contida nesse direito ao espectáculo seja concedida a uma entidade licenciada e portadora de um alvará para esse fim, ou seja, uma operadora de televisão, e só a ela. Coisa que obviamente, e de facto, a Olivedesportos nunca foi nem era em 1996.

Toda a gente se lembra do que foi a luta de influências, políticas, económicas e de toda a ordem, que antecedeu a concessão dos alvarás para a exploração da actividade televisiva em Portugal, onde, para além do Estado, apenas duas entidades privadas, e através de rigoroso concurso público, tiveram o privilégio de os obter.

Mas a lei vai até mais longe. Por um lado, proíbe expressamente a transmissão dos direitos de emissão televisiva quer aos emissores a quem esse direito foi adjudicado em comissão de serviço, como é o caso da RTP (art. 5º, nº 2, da Lei 58/90), quer aos candidatos a quem o direito de emissão foi atribuído por alvará, mediante prévio concurso público (art. 12º, nº 3 da mesma lei). Por outro, proíbe também expressamente que a actividade de televisão possa ser exercida ou financiada por partidos ou associações políticas, organizações sindicais, patronais ou profissionais e por autarquias locais ou suas associações directamente ou através de entidade em que detenham capital.

Em resumo, é incontroverso que nem directa nem indirectamente os direitos televisivos nacionais e internacionais mencionados nos contratos que o sr. Damásio assinou com a Olivedesportos em 1996 (e que esta depois vendeu à RTP) podiam ser concedidos pelo Benfica, e muito menos adquiridos pela Olivedesportos.

24/06/2000 - Record