As conversas proibidas

Exclusivo Correio da Manhã - 18-04-2007
As escutas do ‘Apito Dourado’, anexas ao processo em investigação, mostram Pinto da Costa a conversar com frequência com Pinto de Sousa, combinando os árbitros que iriam dirigir os jogos da Taça.

Revelam também que o dirigente portista – que ontem completou 25 anos sobre a data em que pela primeira vez foi eleito presidente do FC Porto – sabia antecipadamente os castigos dos seus atletas (nas edições de domingo e segunda-feira o CM já tinha revelado que Pinto da Costa soube antecipadamente dos castigos a aplicar a Deco e Mourinho) e mostram também o presidente portista a conversar com Pinto de Sousa sobre as classificações dos árbitros.

Nem todas as escutas que hoje revelamos deram origem a inquéritos autónomos, mas todas foram usadas por Carlos Teixeira, o magistrado de Gondomar responsável pelo inquérito, para demonstrar o poder de Pinto da Costa no mundo do futebol.

Um poder relacionado com os 45 anos que leva como dirigente do FC Porto em várias modalidades, mas desde 1976 sempre ligado ao futebol, primeiro como chefe do departamento de futebol e depois como presidente do clube, a partir de 1982.

Só entre 1980 (ano do chamado ‘Verão Quente’ portista) e 1982 Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa, que completará 70 anos no próximo dia 28 de Dezembro, esteve afastado do clube, mas não do futebol pois nesse período continuou a ter muitos contactos com jogadores e treinadores, nomeadamente José Maria Pedroto.

José António Pinto de Sousa, que aparece nas escutas como presidente do Conselho de Arbitragem da FPF, era um dos vários amigos de juventude que também fizeram carreira no desporto. Esta é aliás uma das justificações que tem apresentado nos vários interrogatórios a que foi sujeito para justificar a aparente familiaridade com o dirigente.

VALENTIM PEDIU PARA SER OUVIDO

Valentim Loureiro foi ouvido na semana passada pelo Ministério Público do Porto, a seu pedido. O ex-presidente da Liga respondeu no âmbito da acusação relacionada com o jogo Naval 1.º de Maio-Chaves e que envolve também o árbitro Paulo Baptista, da 1.ª categoria.

A inquirição de Valentim Loureiro foi então requerida pela defesa que pretendeu demonstrar não ser verdadeira a tese do Ministério Público. Em causa está um contacto com o árbitro de Portalegre que Valentim assegura não ter como objectivo beneficiar o clube da Figueira da Foz. Recorde-se ainda que neste processo já foram arquivadas as suspeitas relativas a Aprígio Santos, presidente do Nacional, e também Júlio Mouco, ex-vogal da Comissão de Arbitragem.

ADELINO CALDEIRA
23/12/2003

Pinto da Costa recebe uma chamada de Adelino Caldeira, administrador da SAD azul-e-branca. Mais uma vez, o dirigente portista consegue saber por antecipação qual vai ser o castigo que a Comissão Disciplinar vai aplicar a um determinado atleta.

Pinto da Costa (PC) – Estou.

Adelino Caldeira (AC) – Estou! Presidente?

PC – Sim...

AC – Adelino Caldeira. Como está?

PC – Tudo bem?

AC – Tudo bem, está tudo bem. Olhe o que lhe vou dizer agora é para si mesmo!

PC – Sim, sim.

AC – Só pode dizer ao Mourinho, a mais ninguém! [...] É assim, o McCarthy vai ser despenalizado por um jogo! [...] Portanto, vai poder jogar no próximo. Mas atenção que não se pode saber porque a reunião só vai ser na terça-feira! Foi tomada a decisão hoje, de baixarem um jogo, mas a decisão formal, o acórdão, só pode ser redigido na terça-feira e formalmente é só na terça-feira que é decidido.

PC – Não, eu nem ao Mourinho digo.

AC – Pronto, é só para lhe dizer... se não eles podem voltar atrás [...] Terça-feira fica espantado, pronto!

PINTO DE SOUSA
03/02/2004

Pinto da Costa e Pinto de Sousa conversam sobre as incidências do jogo Sporting-FC Porto (onde se verificou depois o incidente da camisola alegadamente rasgada a Rui Jorge por José Mourinho) e falam de Lucílio Baptista, o árbitro que apitou aquele jogo. Pinto da Costa não poupa críticas ao juiz do jogo.

Pinto da Costa (PC) – O sr. Lucílio Baptista acha que é um penálti, porque é um vigarista!

Pinto de Sousa (PS) – É!

PC – Aliás. Estava tão comprometido.

PS – Sim...

PC – Estava tão comprometido,que os meus jogadores chamaram-lhe tudo, de filho da puta para cima e ele ria-se deles. Estás a perceber?

PS – Também não achas que ia expulsar aquela malta toda. Estragava o jogo, não é?

PC – Não, se ele estivesse de consciência tranquila, expulsava carago! Agora, foi de filho da puta para cima. ‘És um vigarista, és um filho da puta’!

PS – Até se vê na televisão.

PC – O gajo só se ria. Chamaram-lhe de tudo, filho da puta, gatuno, ladrão, vendido e o caralho. E o gajo ria-se.

PS – Ah, ah, ah!

PC – Um dia, quando eu encontrar esse gajo, vou dizer-lhe: ‘Você é um vigarista do caralho!’. Só quero ver se ele tem jogo hoje!

PC – Olha, da Taça vai ter, pá! Mas eu já te tinha avisado pá! Já estava montado isso há muito tempo

PC – Não, digo se vai ter domingo.

PC – Ah, para domingo vamos ver.

PC – Pode ser que o fodam na Figueira. Que ele tenha lá uma surpresa.


PINTO DE SOUSA

02/02/2004

Pinto da Costa e Pinto de Sousa comentam as incidências de um jogo Boavista-Guimarães arbitrado por Paulo Baptista. Depois, o presidente dos azuis-e- -brancos pede a Pinto de Sousa para falar com Luís Guilherme, de forma a combinarem as nomeações da jornada seguinte.

Pinto da Costa – Não! Eu disse-te a ti, os dois penáltis, são penáltis, não houve nenhum erro crasso [...] E apitar o Boavista, para um gajo que não esteja ali a pensar que o major é o presidente da Liga, é complicado... porque com aquelas palhaçadas todas, o gajo tem de os pôr na rua.

Pinto de Sousa – Pois é...

[...]

PC – Agora, tudo isto nasce de uma má nomeação do imbecil...

PS – É, sem dúvida!

PC – Olha, não te esqueças mas é de comunicar ao gajo, para ele não queimar nenhum [...] Devias pedir por escrito, para ficar.

PS – É, vou-lhe mandar por escrito. Vou-lhe telefonar e dizer [...] vou-lhe mandar por escrito, os jogos.

PC – Os jogos, esses quatro vão fazer esses jogos! Diz mesmo, esses jogos!

PS – Digo.

PC – É, assim ele já não tem desculpa.

PINTO DE SOUSA
02/01/2004

Pinto de Sousa, responsável pela arbitragem na Liga, pergunta a Pinto da Costa se ele aceita Jacinto Paixão para arbitrar um jogo da Taça. Antes disso, Pinto da Costa diz a Pinto de Sousa que deve alterar a classificação de um árbitro.

Pinto da Costa (PC) – Estou.

Pinto de Sousa (PS) – Estou, Zé!

PC – Já rectificaste a nota do homem?

PS – Eh, eh, eh!!!!! É pá, deixa lá o rapazinho em paz, coitadinho!

PC – Ah???

PS – 8... 8,4

PC – É uma boa nota!

PS – É uma boa nota!

PC – Pois foi, mas o observador tem de ser reclassificado!

PS – Olha, estou-te a telefonar pelo seguinte. Estou a pensar nomear o Jacinto Paixão para o Porto-Felgueiras. Não há inconveniente nenhum?

PC – Ah!

PS – Jacinto Paixão... Porto-Felgueiras! Não é nada de especial.

PC – Se entretanto ele não for nomeado para outro jogo [...] nomeado para a casa Pia!

PS – Eh, eh, eh!

PC – Mas não é de muito longe? [...]

PS – Não, coitado, precisa de fazer um joguito e como ainda fez poucos.

PC – Por mim, pode.

Poucas horas depois, Pinto de Sousa volta a telefonar a Pinto da Costa. Afinal, Jacinto Paixão não pode ser nomeado porque vai apitar um jogo do Estoril.

Pinto de Sousa (PS) – Olha, afinal, o Jacinto Paixão vai fazer agora o Estoril, no próximo dia 4 de Janeiro, eu não tinha reparado [...] De maneira que olha, como não é um jogo importante ia o Paulo Pereira, de Viana do Castelo.

Pinto da Costa (PC) – É fraquinho!

PS – É. Mas o jogo também não tem interesse nenhum...

PC – Sim, mas porque é que não pões um gajo do Porto?

PS – Pá, porque o Jorge Sousa vai fazer o Estoril- -Setúbal [...] O Paulo Costa e o Paulo Paraty não os nomeei já porque fizeram um jogo a semana passada. E o Martins dos Santos não se justificava para este jogo [...] e em segundo lugar vai fazer um jogo importante.

PC – Qual é o jogo?

PS – Talvez o Nacional, com o Leiria [...]

PC – Mas o Martins, para lá para baixo é bom. Que assim põe aquilo tudo em sentido.

PS – É, mas esse vai para Leiria.

PC – É, está bem.

PINTO DE SOUSA
30-11-2003

Dias antes do jogo FC Porto-Maia, um dos encontros que o procurador de Gondomar investigou, Pinto de Sousa perguntou a Pinto da Costa se estava de acordo com a nomeação do árbitro.

Pinto de Sousa (PS) – Houve um árbitro pá, que anda assim com problemas... que me pediu para eu jantar com ele e eu fui

Pinto da Costa (PC) – Quem é?

PS – O Nuno Almeida.

PC – Ah!

PS – Um do Algarve, pá [...] Estou a pensar nomeá-lo para o Porto-Maia... vês algum inconveniente?

PC – Não, acho bem! É bom árbitro. [...] Mas é um bocado difícil justificar um gajo de tão longe!

PS – É. mas é taça, é taça. [...] E ele pediu-me para ir o Paulo Januário como assistente.

PC – Está bem, ajuda.

PS – É. Ajuda um bocado.

PINTO DE SOUSA

01-03-2004

Pinto de Sousa liga a Pinto da Costa pedindo-lhe que escolhesse o árbitro para a meia-final da taça de Portugal. Pinto da Costa escolhe Bruno Paixão.

Pinto da Costa (PC) – Estou?

Pinto de Sousa (PS) – Estou. [...] Olá Jorge. Ouve lá, já tens alguma ideia para a final da taça?

PC – Para a final?

PS – Para a meia-final pá, para a meia-final.

PC – Ó pá, eu... queres internacional, né?

PS – É, mais ou menos pá.

PC – Acho que pode ser o Bruno!

PS – O Bruno?

PC – Não é?

PS – Hum...

PC – Não nos apita há muito...

PS – Deixa ver, o Bruno só tem um defeito...

PC – Qual é?

PS – É ter feito um jogo agora... Mas pode ser. Vamos ver.

NÚMEROS DO PROCESSO

A equipa de Maria José Morgado, que investiga as certidões do ‘Apito Dourado’, fez 65 interrogatórios, 38 diligências externas, 12 perícias e percorreu um total de 32 910 quilómetros.

BALANÇO NO SITE DA PGR

O último balanço no site da PGR, datado de 21 de Março, dá conta que a equipa de Maria José Morgado já findou 12 inquéritos: seis resultaram em acusação e seis foram arquivados.

TOMADA DE POSSE

Ontem, a magistrada que coordena as investigações a Pinto da Costa tomou posse como responsável pelo DIAP de Lisboa.

NO 'APITO' DESDE 2004

Em Dezembro de 2004, Pinto da Costa foi ouvido pela primeira vez no Tribunal de Gondomar, depois de várias peripécias, no âmbito do processo ‘Apito Dourado’.

'EU CAROLINA'

O livro autobiográfico de Carolina Salgado, que foi companheira de Pinto da Costa durante seis anos, acabou por ser o mote para reabrir alguns dos processos já arquivados do ‘Apito Dourado’.

Tânia Laranjo/Manuel Queiroz

Vale Azevedo

Uma vítima do "sistema"? O único ex-presidente do Benfica a quem foi retirada a qualidade de sócio do clube foi, no entanto, um dos maiores opositores ao sistema instalado no futebol português. Recordamos aqui uma entrevista dada ao Record em 13 Junho de 1999:

«Pinto da Costa encarna o clima de suspeição»
Entrevista de João Marcelino

Quando assumiu a presidência do Benfica, prometeu aos sócios um “Benfica à Benfica”. Parece-me que esta promessa está distante de ser cumprida, pelo menos do ponto de vista futebolístico. Qual é a sua opinião?
Só na perspectiva de não termos sido campeões se pode dizer isso. De resto, o “Benfica à Benfica” tem sido cumprido.

Em que áreas?
Em todas! Hoje temos um clube mais bem organizado, mais orgulhoso, liderante do ponto de vista desportivo...

Não a ganhar...
Por razões que toda a gente sabe!

Eu não sei.
(Ignorando a observação) ... Liderante porque as soluções que temos preconizado têm vindo a ser adoptadas por outros clubes. Estão a fazer escola.

Como por exemplo?
Olhe, as relações com a televisão, as relações com os empresários do futebol, a política de formação, etc.

Que relações mantém com os empresários de futebol?
As de sempre: o Benfica negoceia directamente com os clubes e a utilização dos empresários só é feita na perspectiva de eles serem representantes dos jogadores.

“Por razões que toda a gente sabe”, disse. Quer explicitar?
O Benfica tem mais dificuldade em ganhar do que qualquer outro clube. Há toda uma estrutura que tudo faz para que o Benfica não ganhe. O que é normal, de resto.

Normal!? Porquê?
Porque queremos limpar uma série de ervas daninhas que têm vindo a prejudicar o futebol português.

E essas “ervas daninhas” têm nome?
Têm, mas não me peça para os citar, toda a gente sabe quem são.

...

Às vezes, mais do que pessoas, há toda uma série de hábitos que se criaram e são prejudiciais. Por isso se vive um clima de suspeição permanente no futebol português. Daí resulta a falta de credibilidade e essa tem sempre o epicentro no FC Porto. Isso é inquestionável! Ainda há dias, numa revista alemã se salientava isso. Existe suspeição no favorecimento de determinados resultados, nas arbitragens... até no próprio sorteio dos árbitros!

Os sorteios também são suspeitos?
Na época passada, por exemplo, o FC Porto teve quatro árbitros que apitaram 17 jogos! Um era o José Pratas e os outros três eram do Porto. (efectivamente, Martins dos Santos dirigiu cinco jogos do FC Porto, contra quatro de Paulo Costa, Paulo Paraty e José Pratas)

Para si, os árbitros viverem no Porto é uma prova de desonestidade?
Não. Só digo que nesses 17 jogos o FC Porto nunca perdeu. Desconheço se árbitros são adeptos confessos do FC Porto. Apenas saliento a curiosidade de meio Campeonato disputado com a direcção dos mesmos árbitros - e sempre a correr bem para o FC Porto! São coincidências... E é por elas que eu digo: o Benfica, para ser campeão, tem de ser muitíssimo mais forte do que o FC Porto. Só ligeiramente melhor não chega!

Vamos, então, desenvolver a sua teoria: não há volta a dar a isso?
Há. E mais: no dia em que se der a viragem, o FC Porto vai voltar a estar 19 anos sem ganhar. Virá muita coisa à luz do dia. “Zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades” - este é um ditado popular português que também não deixará de fazer aparecer muita coisa à tona de água.

O presidente do Benfica acredita, portanto, que o famigerado “sistema” existe...?
Claro que existe. Analise essas coincidências todas.

“Lata e Folclore”

O presidente do FC Porto, Pinto da Costa, queixa-se do sorteio. Isso contradiz o que o senhor acaba de dizer, não lhe parece?
Pois... é preciso “lata”!

O presidente do FC Porto, no último dia do Campeonato, afirmou que o “sistema”, se é que existe, mora a meia dúzia de quilómetros do Estádio das Antas, naquilo que toda a gente entendeu como uma alusão clara ao Boavista e ao predomínio desse clube em vários órgãos dirigentes do futebol português. O que pensa disso?
Faz parte do “folclore” dizer essas coisas. Na primeira vez que o Benfica foi jogar ao Estádio das Antas comigo a presidente, num jogo que a ganharmos viraria o Campeonato, marcámos um golo limpo [Kandaurov], como todos viram, e o presidente do FC Porto veio dizer que o abdómen era o braço. Curiosamente - lá estão as tais coincidências - o árbitro, António Costa, foi o mesmo que este ano dirigiu o Farense-Boavista, na penúltima jornada, da maneira que toda a gente viu. Pinto da Costa pode dizer as maiores loucuras porque perdeu a credibilidade.

O presidente do FC Porto é, para si, a representação de todos os males do “sistema”?
Talvez seja injusto dizer que ele representa tudo o que existe de mau. Digo, apenas, que encarna todo o clima de suspeição.

Não acha exagerado não conceder mérito algum à equipa de futebol de um clube que vence o Campeonato há tanto tempo consecutivo - cinco anos?
Repare numa coisa: de há dez anos a esta parte, o FC Porto tem tido resultados internacionais fracos. Piores, até, que os do Sporting e Benfica nas últimas participações na Liga dos Campeões. O Sporting, há dois anos, fez melhor do que o FC Porto. E, depois, vai ver-se o Campeonato português, logo a seguir, e o Sporting acaba em quarto lugar a não sei quantos pontos de distância. Com o Benfica sucedeu o mesmo este ano. Isto diz alguma coisa. Se a distância entre o valor das equipas fosse aquela que a classificação do Campeonato espelha era natural que o FC Porto andasse também a passear pela Europa. E todos sabem que não é assim. A realidade do futebol português é conhecida de todos - da opinião pública, dos jornalistas, dos dirigentes. Mas todos metem a cabeça na areia e tentam esconder a realidade.

Voltaria a dizer hoje o mesmo que em Coimbra, há vinte dias atrás, quando considerou o FC Porto um “campeão virtual”, “sem mérito”, e que “deixou o País indiferente”?
Claro! Não tem mérito! E não sou só eu a dizê-lo. O presidente do Sporting também o disse há muitos meses.

Não ouvi isso. Antes pelo contrário, José Roquette endereçou os parabéns ao FC Porto.
Disse, sim senhor, há uns meses, que o Sporting não reconhecia o campeão e que não havia verdade desportiva. Isso até foi mais grave.

Nessa altura nem sequer se sabia qual seria o campeão...
Bem, mas lá que tenha mudado o discurso é problema dele. Que disse, disse, está dito e é grave. Pela minha parte, mantenho o que afirmei. O FC Porto é beneficiado por um conjunto de circunstâncias e tem uma máquina de apoio nas pessoas que têm medo da mudança porque sabem que nesse dia cairão. Essa máquina vive à custa do futebol.


Propostas incríveis

Pode dar um exemplo de como funciona essa “máquina”?
Olhe, a nós, dirigentes, chegam as propostas mais incríveis e sempre com a mesma nota: “o FC Porto também faz isto.” Muitas vezes nem acredito. - Mas dê lá um exemplo, se faz favor. - Volto a dizer: até nem acredito nisso, porque sou uma pessoa de boa fé, que acredita nas pessoas e nas instituições, mas já me vieram oferecer a “compra” de guarda-redes em jogos importantes para deixarem entrar “frangos”; de defesas-centrais para fazerem grandes penalidades, deixarem passar os nossos avançados ou porem-nos em jogo em circunstâncias que permitissem o isolamento em direcção à baliza. Enfim, já nos propuseram muita coisa. E os preços até eram acessíveis. Se é verdade ou não, continuo sem saber porque nunca aceitaria uma coisa dessas.

E essas pessoas diziam-lhe que isso era uma prática do FC Porto?!
(Depois de tossir) Diziam-me sempre: “Se eles lá em cima fazem isso, você também deveria fazer.” E eu respondia: “Não acredito que eles lá em cima o façam.” Mas que há muito fumo em relação a isso, lá isso há. Até dirigentes me falaram dessas práticas. É o tal fumo... Compete à polícia investigar.

Acha que a polícia não tem investigado tanto quanto devia?
A corrupção, em qualquer sector de actividade, é sempre difícil de investigar. Demora tempo. Mas, volto a dizer, quando o sistema mudar, quando houver verdade desportiva, muita coisa se vai saber deste tempo que vivemos. Vão, acredito, aparecer muitos casos como o daquele Beira Mar-FC Porto, que veio a lume recentemente como sendo de clara corrupção. Claro que já tinham passado os prazos, quer do ponto de vista das sanções desportivas, quer do das sanções criminais. Mas toda a gente viu, num programa televisivo, pessoas a testemunharem terem sido corrompidas, incluindo jogadores. Estas coisas de que se fala à boca cheia, inclusive por pessoas da Liga, há-de acabar por apurar-se depois da necessária mudança. Nesse dia todos os clubes partirão em pé de igualdade.

Neste momento, o Boavista - e o presidente do FC Porto falou disso numa entrevista que me concedeu recentemente - tem muita gente à frente dos órgãos de decisão. E o Boavista também é, como o senhor diz, “lá de cima”. Isso não o preocupa? Não é um poder mau?
Naturalmente que não é saudável. É conveniente um maior equilíbrio e, sobretudo, haver pessoas que desempenhem os lugares com independência e sem clubite aguda.


Informação e discrição

Vamos fazer agulha, se não se importa, para o futebol do Benfica. Parece-me que os benfiquistas andam um pouco preocupados com uma certa apatia do clube num aspecto fundamental: o reforço da equipa. O Sporting e o FC Porto, é uma ideia geral, estão a apetrechar-se mais rapidamente. E os sistemas vencem-se com golos. O que tem a dizer a isto?
Não estou a ver quais sejam, por exemplo, os reforços do FC Porto...

Para já, os defesas brasileiros Argel e Ruben Junior e os portugueses Rodolfo e Paulo Ferreira...
Está bem... E isso é que são grandes reforços?
...
Vamos a ver: o que se passa é que, hoje em dia, as coisas no Benfica passam-se dentro da maior confidencialidade e discrição. O FC Porto, que era um clube mais fechado, não consegue manter o rigor desses anos e o Sporting também não.

Em relação ao Benfica, noto, nem há falta de nomes novos a aparecerem nos jornais todos os dias. O que faltam são negócios feitos...
Porque a informação está muito escondida. É ponto assente que não apresentaremos nenhum jogador antes da assembleia geral. A excepção foi o Enke por razões meramente burocráticas. Não queremos ser acusados na assembleia de amanhã de irmos para lá com trunfos na manga ou promessas de jogadores. Queremos que a discussão decorra num ambiente normal: o debate do orçamento, que é aquilo que se vai discutir, e não o debate de nomes de jogadores.

Que objectivos vai ter o Benfica para a nova temporada?
Os mesmos de sempre: ganhar todas as provas, sem excepção. Estamos convencidos que vamos apresentar uma equipa ainda mais equilibrada e forte. E esta época o Benfica já era o melhor plantel! Ainda há dias uma pessoa tão insuspeita quanto Pedro Gomes, comentador, técnico e sportinguista, o reconhecia.

E, se não chegar, terá sempre a desculpa do “sistema”...
Não é desculpa. Tem sido uma realidade. Mas desta vez vamos tentar ser tão fortes que não seja possível impedirem-nos de ganhar.

Que orçamento tem para aplicar no reforço da equipa?
Temos de possuir muito bom senso em matéria financeira. O clube ficou equilibrado economicamente e isso não pode ser alterado. Hoje o Benfica gera mais receitas do que as despesas que tem. Por outro lado, começamos a ter uma situação de equilíbrio financeiro, apesar de, neste particular, ainda pagarmos as agruras de um passivo que foi muito elevado e que nós conseguimos reduzir em 60%. Daí ficou uma tesouraria muito difícil que não pode ser comprometida. Antes pelo contrário. Precisamos de continuar a possuir muita tranquilidade para regularizarmos a situação financeira e continuarmos a pagar as dívidas do clube. Enquanto isso não for feito, as compras de jogadores têm de ser equilibradas com as vendas de outros jogadores. Não podemos gastar mais a comprar do que a vender. Não contem comigo para criar situações de ruptura financeira por atracção do abismo, ou seja, para comprar jogadores a valores superiores àqueles que o clube pode pagar.

O Benfica não parece possuir muitos jogadores capazes de despertar interesse no mercado internacional. Assim sendo como poderá o clube ter disponibilidade para fazer as tais aquisições que possam reforçar a equipa?
Não é verdade. Tenho propostas até para muitos jogadores do Benfica.

Mantém que o Benfica vai comprar apenas quatro jogadores?
É essa a nossa intenção: promover os jogadores da escola, formados no clube, que o conhecem e sabem a honra e a pressão de jogar com a camisola do Benfica.

Há ano e meio também disse isso e depois fez um pouco o contrário: o Benfica apostou em jogadores estrangeiros e até de idade avançada.
Não é verdade. O Benfica foi a equipa que mais jogadores jovens promoveu. Veja as estatísticas. O que existe é uma enorme máquina de propaganda montada a favor do FC Porto e do Sporting. A realidade, depois, é diferente. Aplaudo essa máquina de propaganda, mas a verdade é que o Benfica é o clube que mais aposta nos jovens. O FC Porto não tem um jogador na selecção de sub-20 ou de sub-21; um único jogador formado no clube e que seja titular com menos de 25 anos. O Sporting tem o Simão e pouco mais. O Benfica...

Está consciente de que os sócios do Benfica trocariam toda a lógica desse seu discurso por um Campeonato, não está?
Digo-lhe isto: é importante possuir uma base sólida. Se não, pode surgir uma vitória e ela ser ocasional. O Benfica está bem estruturado ao nível do futebol. O que se passou a época passada, e volto à sua questão, é que, a determinada altura, fizemos um pequeno desvio para tentarmos ser ainda mais fortes e chegar ao título. Repito-lhe o que disse há pouco: o Benfica, como o Sporting, reconheço isso, têm de ser muito mais fortes que o FC Porto se quiserem ganhar.


Momentos difíceis

Desde há algumas semanas, existe no seu discurso uma tendência nítida de aproximação ao Sporting. Continuo a notar isso hoje...
Não é aproximação, é reconhecer a realidade. Benfica e Sporting, para serem campeões, têm de ser muito superiores ao FC Porto em 20 ou 30% Caso contrário não conseguem ganhar. E no nosso caso isso é difícil. Não se esqueça que nós herdámos o clube em situação de ruptura total, completamente desmoralizado, completamente endividado e que podia fechar as portas ao fim de uma semana. O Benfica facturava cinco milhões de contos e tinha de passivo a 30 dias nove milhões e seiscentos mil contos! Com um passivo global de 15 milhões de contos! Perante uma situação destas, qualquer gestor ou financeiro do mundo diria que não havia outra alternativa a não ser fechar as portas e que a Instituição estava falida. Houve necessidade de tomar medidas dolorosas e daí algumas críticas. Passei por momentos dificílimos. No final de Dezembro de 97 pensei sinceramente que o clube fechava!

Nessa altura teve de começar a injectar dinheiro no clube. Onde o foi buscar?
A questão de fundo na altura era precisamente esta: “Vale a pena injectar dinheiro? Vale a pena assumir responsabilidades e avales? Isto não irá de qualquer maneira para o fundo?” A minha decisão de tentar recuperar o clube foi um enorme risco, até pessoal. Passámos uma situação dramática. Lembro-me que num jogo da Taça de Portugal, em Barcelos, com o Gil Vicente, faltei ao almoço e cheguei atrasado ao jogo, porque fui no carro todo o caminho a telefonar e a resolver problemas. Nesse dia o clube esteve à beira de fechar. A ruptura era gravíssima. Resolvi a situação “in extremis”, dois ou três minutos antes de chegar ao estádio.

Como conseguiu dar a volta à situação? Onde foi buscar o dinheiro?
Consegui resolver com os meus conhecimentos no mundo financeiro, a credibilidade que tenho e a ajuda de bons amigos.

E também com dinheiro do seu bolso?
Também.

Quanto dinheiro foi preciso injectar nessa altura?
Pessoalmente tenho uma conta corrente com o Benfica que na movimentação de dinheiros a crédito terá feito entrar no clube cerca de três milhões de contos. O Benfica devolveu-me cerca de dois milhões. O saldo anda, portanto, à roda do milhão de contos.


Máquinas de propaganda

...
Com esta situação não se podem fazer loucuras em contratações. As máquinas de propaganda do Sporting e do FC Porto dão ideia de uma realidade que não é verdadeira. O Sporting, no primeiro semestre deste ano, teve um prejuízo de um milhão e 500 mil contos. O FC Porto, também em seis meses, apresentou um prejuízo de 400 mil contos apesar de vender Doriva e Artur.

É no mínimo estranho que seja o senhor a pregar a austeridade a duas SAD’s...
Exactamente. Porque há uma máquina de propaganda que tenta limpar todas essas situações. Mas não se consegue esconder a realidade durante muito tempo. O Sporting escondeu essa realidade com a venda do Simão Sabrosa, mas isso é um erro gravíssimo.

Gostava que me falasse mais do clube que dirige: não estará a dizer isso para tranquilizar um pouco a massa associativa do Benfica?
Não é verdade. E não me venha com as grandes contratações do FC Porto e do Sporting. O que vejo é muito fumo, muita animação, propaganda. A informação vem cá para fora e do Benfica não se está a saber nada. Isso deixa-me particularmente satisfeito e permite-nos comprar bem. Não queremos enfiar mais barretes. O segredo é a alma do negócio.
...
Repare uma coisa: em quatro anos, entre 93 e 97, antes de nós entrarmos, o Benfica transaccionou 114 jogadores! E perdeu milhões de contos com essas transacções! Foram raros os jogadores com os quais ganhou dinheiro! Isso não pode ser! Com os jogadores que comprámos, ao contrário, tivemos sempre mais-valias. Tem de haver bom senso. Estamos fechados e por isso lhe digo: ninguém, mesmo ninguém, sabe o que se está a passar. Os jornais inventam nomes todos os dias e não acertam.


O caso Hanuch

Pode esclarecer o que se passou com o jogador Hanuch?
Ainda antes disso: os jogadores estrangeiros que vierem para o Benfica têm de fazer a diferença, de serem titulares indiscutíveis. Não queremos quem venham aproveitar o sol. E esta política está traçada há mais de um ano, fôssemos campeões ou não.

Já teve a oportunidade de dizer isso várias vezes. Podemos ir, então, ao Hanuch?
Espere só mais um pouco. Quero acrescentar isto: o nosso pequeno desvio da época passada foi para reforçar as possibilidades de ganhar aquele campeonato. Era importante que o sistema mudasse e...

Desculpe, mas já se percebeu a sua mensagem. Gostaria, então, que me desse o ponto de vista do Benfica sobre o caso-Hanuch. O que aconteceu?
O Hanuch foi oferecido ao Benfica e observado pelo nosso técnico. A partir daí, fizemos uma determinada proposta. O clube do jogador fez uma contraproposta que não aceitámos por a considerarmos demasiado elevada. Mais nada.

Isso passou-se quando?
Há cerca de um mês. O nome do Benfica só continuou ligado ao processo por interesses vários, dos empresários...

José Manuel Capristano, vice-presidente do Benfica, falou muito depois disso do interesse do Benfica...
Para despistar. Não nos interessa que falem dos jogadores que efectivamente queremos. A proposta que fizemos para o Hanuch foi há um mês, estava ainda o nosso técnico, Jupp Heynckes, na Argentina.

Ok, o Hanuch está verde...
Curiosamente, deixe-me dizer-lhe isto, a contraproposta que achámos elevada era quase metade do dinheiro que o Sporting terá pago pelo jogador. Isto a acreditar nas verbas vindas a lume na Imprensa. E eu sei que às vezes também se especula um bocado.

Quanto lhe pediram por Hanuch?
Dois milhões e meio de dólares.

E foi isso que o Benfica achou demasiado?
Sim, foi.


Bossio e Pizzi

Outros nomes que têm sido referenciados são os do guarda-redes Bossio e do ponta-de-lança Pizzi. Quer comentar?
O nome do Benfica, pela sua grandeza, serve para promover muita gente. O caso do Hanuch, insisto, é típico. Percebi logo, quando se continuou a falar do interesse do Benfica depois de termos desistido, que se estava a preparar uma ida para outro clube. Acabou por ser o Sporting. Nós não vamos nesse tipo de conversa. Hoje em dia, só compramos de acordo com as nossas convicções e de acordo com o dinheiro que temos.

Pizzi chegou a interessar ao Benfica?
É verdade que fizemos uma proposta. E sabe uma coisa? O Pizzi aceitou a proposta do Benfica! Só que depois apareceu o empresário de premeio, pôs-se a fazer exigências e o Benfica desistiu. Mas já vi na Imprensa precisamente o contrário! É completamente mentira! Nós temos a faca e o queijo na mão. Há poucos clubes que possam pagar como o Benfica...

... É curioso que diga isso...
Repare: o Benfica está entre os maiores dez clubes do mundo em receitas.

Mais uma razão para poder comprar bons futebolistas...
Não! Mais uma razão para apostarmos na limpeza do passivo. Se tivéssemos começado da estaca zero seria diferente. Mas, agora, o Benfica tem de limpar completamente a parte financeira para depois aparecer em toda a pujança, que efectivamente possui, a comprar jogadores excepcionais por verbas excepcionais. Neste momento seria um erro. Não quero que mais alguém venha a sofrer no Benfica o que eu sofri. E de tal modo sofri que houve pessoas que não aguentaram e saíram... enquanto outras arregaçaram as mangas, arreganharam os dentes, e foram à luta. Foi duro aguentar.

Bossio, o guarda-redes, interessa ao Benfica?
Fala-se em muitos nomes mas não lhe vou confirmar nenhum. Depois da assembleia geral de amanhã, na altura própria, iremos apresentar com calma os jogadores. Uma coisa, no entanto, digo aos benfiquistas desde já: o Benfica vai ter um plantel melhor do que o actual. Vai haver, naturalmente, compras e vendas. E não há jogadores inegociáveis ou insubstituíveis. Que fique bem claro isso, assim como o seguinte: enquanto for o presidente, o Benfica irá apostar muito nos jovens e nos jogadores formados no clube. Quanto aos quatro estrangeiros, cumpriremos a promessa de serem reforços efectivos da equipa.


Falar de Souness

Está arrependido de ter contratado Souness?
Relembre-se o enquadramento: eu contratei o Graeme Souness como candidato a presidente, numa luta eleitoral. Isso apenas permite uma escolha limitada. Mas, dentro dessas limitações, reafirmo: Souness era o melhor dos quatro ou cinco nomes com quem falei. Se na altura fosse já presidente teria sido muito diferente. Possivelmente escolheria outro treinador porque teria uma hipótese de escolha alargada.

E, se pudesse voltar atrás, teria prescindido de Souness mais cedo, até em face da contestação dos sócios?
É difícil dizê-lo. Vou fazer-lhe uma confidência: o ano passado, por esta altura, reflectimos muito a propósito de Souness ser o treinador certo para a época que se iria seguir. Esteve sobre a mesa a possibilidade de alterar a equipa técnica do Benfica.

Reflectiu com quem?
Com o senhor José Capristano e uma ou outra pessoa responsável do clube.

É curioso que diga isso, pois o curto período de Souness até aí, percebe-se hoje, foi o melhor dele no Benfica.
(Tossindo) Tinha feito um belíssimo trabalho, sem dúvida, mas já tínhamos algum receio que não fosse o treinador para gerar os tais 20 a 30% de superioridade que o Benfica precisava para ganhar o Campeonato ao FC Porto. Havia que dar um salto grande sobre o “sistema”.

E tinha a sensação que Souness não servia para isso?
Tínhamos a sensação que o Benfica precisava de ligeiramente melhor. Um Benfica igual ao do ano anterior não bastaria para ser campeão, como veio a provar-se. Há pequenas coisas que são difíceis de explicar. Só quem está por dentro do futebol o percebe... O Benfica sofreu muitos golos nos últimos minutos e para lá da hora. Isso tem o significado.

Pode ter, mas parece-me que não tem nada a ver com o treinador, sobre quem estávamos a falar...
Tem. Apesar de tudo não perderíamos se estivéssemos a ganhar por dois ou três a zero.

Souness não era suficientemente ambicioso para o Benfica? Parece-me estranho que diga isso. Se Souness tinha alguma coisa era, talvez, uma ambição desmedida, acima das possibilidades dos jogadores...
Não estou a falar de ambição. Precisávamos de uma pessoa mais sofisticada.

Não quererá, antes, dizer que o Benfica precisava de um treinador que trabalhasse e fizesse trabalhar mais e que também não se ausentasse tanto de Portugal e tivesse complexos de superioridade sobre a valia dos adversários?
Quando digo sofisticado estou a referir-me a muitos níveis. Talvez alguns desses e outros. Tínhamos de subir mais um degrau...

E não subiram nem dispensaram Souness...
Acabámos por acreditar que talvez viesse a haver mais verdade desportiva. Foi um erro de avaliação.


Contactos com Heynckes

Quando pensou, então, depois disso, na saída definitiva de Souness?
Em Dezembro último. Os contactos com Jupp Heynckes remontam a essa altura.

Com outros treinadores também?
Naturalmente. Falámos com vários. Aí o processo de escolha foi diferente. Como presidente do Benfica assisti a uma situação inversa da que tinha conhecido no processo da contratação de Souness: todos os treinadores queriam trabalhar no Benfica. Era uma grande honra para eles estarem a falar comigo. Como candidato encontrara uma desconfiança natural e normal.

Voltará, algum dia, a dar tanta autonomia a um treinador quanto aquela que deu a Souness?
É uma falsa questão. Souness não tinha essa autonomia que pretende que ele tinha.

Mas parecia, desculpe. Pelo menos para comprar e vender jogadores. Era ele quem trazia e levava para o mercado britânico...
Não é verdade. Não tinha essa autonomia. Agora a questão do mercado britânico... era normal! É um mercado que ele conhecia bem e estávamos no tal desvio ao projecto, de curto prazo, para tentarmos o reforço tendente à conquista do Campeonato. Essas contratações visaram isso.

Passemos à frente. Hoje isso já tem um interesse limitado. Essas compras como a venda de Deane...
(Sem ouvir) Mas tivemos sempre de enfrentar imensas dificuldades: as multas e os processos da Liga, a Imprensa sempre a desestabilizar, muitos “opinion makers” sempre a escrever contra o Benfica. Enfim, o estigma permanente do contra. Foi por isso que resolvemos optar por comprar alguns jogadores mais experientes e da confiança do treinador...

Com os resultados que se sabe, aliás. Mas eu gostaria de passar à frente nessa matéria e falar do futuro.
(Insistindo) Digo-lhe, no entanto, outra coisa: ao fim de algumas jornadas vi logo que era impossível ser campeão. Falava de maneira diferente porque era importante motivar os jogadores e as nossas hostes, mas achava que era praticamente impossível ganhar. As pessoas que se moviam à minha volta sabem que estou a dizer a verdade. Foi o que se passou com José Roquette no Sporting. Mas esse disse-o de viva voz. Como está o “sistema” em Portugal, torna-se muito difícil a qualquer equipa que não o FC Porto ganhar.

Lá está a puxar o Sporting para o lado do Benfica...
... A não ser que os clubes se unam mais e comecem a banir muitas ervas daninhas do futebol. Se isso acontecer, e se o Benfica e o Sporting se reforçarem, então é possível discutirmos o título.

Outra pergunta concreta em relação a Souness: quem estava de fora pensou sempre que a relação dele consigo era de extrema cumplicidade. Por isso mesmo, tornou-se ainda mais estranho que tudo tenha terminado da maneira violenta que se conhece. Não concorda?
Não. Lamento que a relação com Souness tivesse acabado daquela maneira, e muito sinceramente o digo. Mas, quanto à cumplicidade, digo-lhe apenas isto: o presidente tem sempre de apoiar o treinador até ao fim. Incondicionalmente! O meu apoio a Souness foi aquele que daria, e darei, a qualquer outro.

Se começou os contactos com Heynckes em Dezembro, porque quis levar Souness até ao fim?
Porque não se justificava mexer antes do final da época. Era preciso estabilidade. Mesmo os técnicos com quem contactei me chamaram a atenção para esse aspecto. Todos eles. Alterações naquela altura poderiam ser fatais. Lembre-se que até ao jogo com o Boavista o Benfica se encontrava a um ponto do FC Porto. Em Março, no último terço do Campeonato.

Souness sairia mesmo que ganhasse?
Sim. O contrato com o sr. Jupp Heynckes foi celebrado muito antes de ser conhecido na Imprensa, o que demonstra como o Benfica está fechado. Heynckes passou três ou quatro dias em minha casa em finais de Fevereiro, princípios de Março. Assinou contrato e começámos a planear a próxima época. Eu mesmo estive na Alemanha em casa dele e ninguém soube. Isso demonstra que o Benfica está no bom caminho. Posso dizer-lhe que hoje 99,9% das informações que vêm na Imprensa sobre jogadores são falsas ou especulativas. Estamos bem contentes com isso.


"Desagradável surpresa"

É verdade que Souness o ameaçou numa daquelas últimas conversas?
Por razões de decoro, e de defesa do próprio clube, não é conveniente falar sobre esses aspectos.

Foi uma conversa desagradável?
O comportamento do senhor Souness acabou por ser uma desagradável surpresa. Esperava outra dignidade na saída. E tenho pena que ele tenha saído daquela forma, auto-excluindo-se, porque na verdade ainda é treinador do Benfica. Está com um processo disciplinar, mas tenho pena que tenha feito o que fez, dito o que disse. Muita, muita pena.

Há quem diga que todo este processo é uma tentativa de não pagar a Souness aquilo a que ele tem legitimamente direito. Como responde?
É completa demagogia. É a tal máquina de propaganda a funcionar. E de uma maneira esquizofrénica. O mercado precisa de um Benfica positivo e há quem arranje tudo para dar notícias negativas. Vê sempre o copo vazio em vez de meio cheio. É uma realidade dos últimos anos. A diferença, agora, é que nós respondemos e vamos demonstrando, na prática, que isso não é verdade. E temos dada tanta bofetada de luva branca que essa máquina de propaganda está a mudar ligeiramente.

Essa má vontade informativa é de quem?
Global.

Mas se o Benfica é o maior clube de Portugal...
(Interrompendo) Por isso mesmo. O Benfica é grande de mais, maior do que Portugal. E como passa as fronteiras do País, o mercado do futebol, na ânsia de vender mais à custa do Benfica, faz tudo. Vale tudo, até arrancar olhos. Mas sobretudo alguma Imprensa...

Gostava que fosse mais explícito.
Estou a falar globalmente. Há sempre excepções, é claro, mas a regra é atacar o Benfica e o seu presidente. Em qualquer processo, judicial ou outro, o Benfica vai perder! Logo! Na FIFA perdemos qualquer queixa. Vamos descer de Divisão. Vamos ser banidos de todas as provas. Vamos perder o processo com a Olivedesportos e pagar oito milhões de contos. Pelo Paulo Madeira teríamos de pagar 400 mil contos ao Belenenses. Pelo Paulo Nunes era um milhão de dólares. Enfim, poderia dar-lhe dezenas de exemplos nos quais o Benfica teria e terá um final trágico! Coisas gravíssimas! O presidente pendurado na corda! Isto é a realidade de quem lê os jornais!

Está a generalizar, embora ache que tem razão em algumas coisas que diz e em relação a órgãos de informação específicos e...
(Embalado) Não estou a generalizar. E depois o que acontece? Afinal o Benfica não desceu de Divisão, não foi corrido das provas da UEFA, não pagou qualquer verba pelo Paulo Madeira, venceu todos os processos postos na FIFA, afinal o Manchester dá-se bem com o Benfica, afinal o Sheffield United até nos vende outro jogador, enfim! Esta é a realidade! E quem diz os jornais diz a rádio e a televisão. É o clima geral.

Espero que ao menos da SIC não tenha razões de queixa...
(Sem se deter) E depois, antes de verem o lado positivo da decisão positiva, metem essas notícias em pé de página. Cheguei a zangar-me com alguns jornais nos casos do Manchester e do Sheffield porque o Benfica est va a defender os seus interesses e a Imprensa é que nos atirava para o fundo. Nem em Inglaterra os jornais nos tratavam assim. E essa ansiedade e tragédia obrigou o Benfica a prejudicar-se. Fizemos um acordo bom, mas poderia ter sido ainda melhor. Agora com a Olivedesportos é a mesma coisa. Antes e depois das sessões perdemos sempre! Há sempre coisas gravíssimas da parte do Benfica. E é ao contrário: a Olivedesportos é que deve dinheiro ao Benfica!


Inquéritos a treinador

O tribunal apurará isso. Mas eu gostava de voltar a Souness. Quais as razões pelas quais o Benfica lhe instaurou os inquéritos?
O primeiro, colocado a Souness e Phil Boersma, tem a ver com questões passadas nos treinos na semana anterior ao jogo com o Campomaiorense e durante o próprio jogo.

Coisas para além daquelas que vieram a público?
Sim. Esse inquérito levou à suspensão. E depois foi-lhe instaurado um processo disciplinar com base nas declarações que fez numa segunda-feira, 3 de Maio, no Estádio da Luz. Esse é um processo para despedimento. O Phil Boersma também veio a ter um processo disciplinar mais tarde por declarações feitas numa entrevista a um jornal desportivo, uns dias mais tarde, contra o clube e alguns dos nossos jogadores.

Voltaria a fazer aquela Conferência de Imprensa em que acusou alguns jogadores do Benfica de serem ricos e mimados?
Naturalmente. Entendo que a cultura recente do clube privilegiou a riqueza e o mimo em vez da ambição e da vontade de vencer.

O que está a fazer para inverter essa tal cultura?
Vamos apostar em jovens formados no clube em quem será incutido esse sentimento da necessidade da vitória. Primeiro há que vencer. Depois pode haver a compensação monetária. Tem de haver respeito pelo Benfica e eu posso dizer-lhe que esse é outro mal. Há alguns jogadores que não respeitam o clube.

De que forma isso se manifesta?
Por exemplo, falam quando querem e lhes apetece. O jogador tem de respeitar o clube e não pode dizer mal dele, colocar o Benfica em causa ou ameaçar com acções em tribunal, etc., etc.

Esses jogadores sairão durante este defeso?
Qualquer jogador que coloque o Benfica em causa, falando quando não deve ou sem estar devidamente autorizado, terá sanções disciplinares muito pesadas.

Não acha isso uma limitação à liberdade individual do cidadão futebolista?
Não. O senhor, por exemplo, como Director do jornal, também não anda a dizer mal do patrão.

É curioso: não me lembro de um jogador que tivesse dito mal do clube...
Qualquer declaração que ponha em causa o clube, os companheiros, o treinador, os dirigentes, os sócios ou os adeptos é grave. O jogador é para jogar, não para falar e muito menos de coisas que lhe não dizem respeito. Não têm de comentar as opções do treinador e se o companheiro que lhe rouba o lugar é melhor ou pior. Só tem é de se esforçar nos treinos para reconquistar o lugar. Não podemos admitir que jogadores façam isso e usem os jornais para promoverem determinadas mensagens.


JVP a Preud'Homme

Disse há pouco que o Benfica não tem jogadores inegociáveis, portanto isso também é válido para João Vieira Pinto...
(Interrompendo) Qualquer jogador!

O que pretendo saber é se o João Vieira Pinto é, para si, o capitão de que o Benfica precisa?
É o actual capitão do Benfica.

Isso eu sei. O que pretendo saber é isto: quando o senhor falou em jogadores ricos e mimados toda a gente pensou em alguns nomes, nomeadamente no capitão, que é também o futebolista mais emblemático do clube. É legítimo fazer esta associação?
Não é legítimo fazer qualquer referência a qualquer jogador. Eles sabem a quem eu me referi.

Disse-lhes directamente quem eram?
Eles sabem a quem, no balneário, eu me referi. Fiz o meu discurso aí. Tudo o que se possa dizer agora sobre isso é puramente especulativo e não faz sentido.

Enke pode ser vendido ainda antes de vestir a camisola do Benfica?
Temos uma proposta. E como não há jogadores inegociáveis...

Que outros jogadores podem sair?
Não vou falar disso. Há vários, mas o segredo é a alma do negócio.

Preud’homme não vai continuar como jogador?
Não falo sobre situações que não estão na altura de ser publicitadas.

Quando o vai fazer?
Na altura oportuna. Todos os jogadores com quem não contarmos serão informados pessoalmente das nossas intenções. Só depois haverá divulgação pública. Nenhum deles saberá pelos jornais.

Desculpe insistir. Parece ser nítido que o Benfica se quer desfazer da componente britânica do plantel. Faço só uma pergunta: de que maneira conta convencer Thomas, um jogador aparentemente sem mercado, a abandonar?
Não sei se é nítido ou não. Por acaso, neste momento temos uma proposta para o Thomas. Está a ver?


Caso Hugo Leal

Qual é o ponto da situação do caso-Hugo Leal?
Tem contrato até 2003 e, como se sabe, colocou o Benfica em tribunal ou, melhor dizendo, em xeque na Comissão Paritária. E, no entanto, tinha assinado esse contrato de livre vontade, assim como o seu pai. Não é uma situação que me dê satisfação.

Desconhece que o jogador assinou um compromisso com o Atlético de Madrid e pretende ter apenas mais um ano de contrato com o Benfica?
Desconheço as intenções do jogador, mas naturalmente não fico feliz. Assim como não fico feliz que um jogador do Benfica vá passear para o Porto para demonstrar que tem boas relações com o FC Porto
...
É óbvio que o futuro desses jogadores no Benfica será mais limitado. O Hugo Leal, volto a esse caso, colocou em causa o Benfica - e eu não admito isso a qualquer jogador, seja ele quem for. A atitude do Hugo Leal, se for da responsabilidade dele e eu ainda tenho esperança que não seja, coloca uma nódoa na relação com o Benfica.

Não é, portanto, um jogador com queira contar no futuro?
A questão não é essa. Em termos de Benfica, o Hugo Leal não se portou bem. E, naturalmente, pomos algumas reticências.

É curioso que Jupp Heynckes se mostre precisamente preocupado com a continuação de Hugo Leal, não acha?
Não bastam as qualidades técnicas no campo. Há outras que também têm de ser consideradas. A filosofia vai ser diferente. Temos de apostar em jogadores que sintam a camisola do Benfica e respeitem o clube.


Política de empréstimos

O Benfica tem claramente definida a política de empréstimos para a próxima época?
Tem. Vamos privilegiar os clubes mais amigos, naturalmente.

O Santa Clara está nesse lote?
Naturalmente. É uma filial. Fizeram-nos um pedido e vamos tentar satisfazê-lo.

A aposta no Alverca irá manter-se?
Sim, também. E há outros.

Resumidamente, o que espera de Jupp Heynckes?
É um treinador que esperamos venha a fazer um bom trabalho em muitas áreas, nomeadamente na tal mudança de mentalidade e de hábitos de trabalho. O “dolce fare niente” já vem de há muito tempo, não era um exclusivo da época do sr. Souness. Queremos treinos mais duros e maior envolvimento dos jogadores no clube. Pelo seu passado e experiência, temos confiança em que tem condições para o fazer.


Defender a estabilidade

O senhor dirige um elenco fragilizado por demissões. É legítimo pensar que poderá desencadear a realização de eleições a curto prazo?
Tenho defendido a estabilidade do Benfica até ao limite. Se sentisse essa fragilidade, de que fala, não teria continuado a apoiar o clube da forma como ainda o fiz há alguns dias, com um pagamento substancial... Meio milhão de dólares [cerca de 90 mil contos].

Se tivesse a Direcção mais preenchida, provavelmente não correria tantos riscos na próxima época. Há sempre a possibilidade de mais uma demissão a meio do caminho. No sentido de conseguir a estabilidade talvez fosse preferível para si as eleições. É por isso que coloco a questão.
Às vezes são melhores poucos e bons. Há que confiar nas pessoas. E eu confio em quem me acompanha cegamente.

Coloca de lado definitivamente a questão das eleições antecipadas com o senhor a provocá-las?
Não vejo razões para isso.

Como viu as intervenções públicas de António Sala na área do futebol na época passada?
Já se falou demasiado nesse assunto. Ele sabe qual é a minha opinião e essa é a que importa, não é a opinião pública.

Quem é o número dois do seu elenco?
O sr. José Manuel Capristano. Desde o início. É uma pessoa com um conhecimento profundo do clube, ao qual dedica muito tempo.


Sporting "enganado"

Nesta entrevista, como nos últimos tempos, tem tido declarações que indiciam um desejo de aproximação ao Sporting. É legítima esta interpretação?
Não sei se é legítima. O que sinto é que o Sporting tem muitos problemas idênticos aos do Benfica e foi muito enganado na “santa aliança” com o FC Porto. O Sporting é um clube nacional, o segundo, com muitas tradições. É mais legítimo um Sporting independente, a decidir pela sua cabeça e sem estar ligado ao FC Porto. Penso, aliás, que o Sporting já percebeu que a ligação ao FC Porto não lhe trouxe benefícios.

Quer, então, o Sporting ao seu lado na luta contra o tal “sistema”...?
Quero é o Sporting a defender os seus interesses e do futebol português.

Como vê, de fora, o caso-Toñito?
É sempre lamentável esse tipo de situações.

Estava à espera de um conflito assim entre o Sporting e o FC Porto?
Pensava que ambos os clubes tivessem percebido que este tipo de disputas só os prejudica.

Qual é o dirigente desportivo com quem tem melhores relações?
Tenho boas relações com quase todos. São poucos os que estão na situação contrária. Mas como não admitimos determinados comportamentos, nesse perspectiva decidimos não nos misturar.

Como estão as relações com a Liga e o major Valentim Loureiro?
Temos boas relações com o major Valentim Loureiro, mas entendemos que a Liga tem de mudar muito. Não pode ser acusada de favorecer o FC Porto ou o Boavista.

O FC Porto é dos clubes que mais se tem queixado.
Lágrimas de crocodilo. É para tentar tapar os olhos às pessoas.


A Assembleia Geral

Segunda-feira vai apresentar aos sócios o orçamento para a próxima temporada. Quais são as linhas mestras do documento?
Pela segunda vez, é um orçamento de estratégia, ainda mais sofisticado que o do ano passado. Justificamos o porquê das despesas e das receitas. O documento prova que o Benfica está estável economicamente. O clube tem mais receitas do que despesas.

O orçamento aponta para um lucro de 143 mil contos...
Sim, o lucro depois de amortizações, provisões, etc. Mas, na realidade, o clube vai libertar dois milhões e 400 mil contos positivos. É essa a diferença entre as receitas e as despesas, o que permite a libertação de um passivo absolutamente agonizante.

Qual o montante desse passivo?
Reduzimo-lo em cerca de 60%. O passivo não é uma coisa estática, ao contrário do que algumas pessoas possam pensar, mas a 30 de Junho de 1999, dependendo de alguma coisa que possa acontecer - compra de jogadores, por exemplo -, será da ordem dos cinco milhões de contos.

Isto significa que...
(Interrompendo) Significa que o diminuímos em cerca de oito milhões de contos.

De que forma promoveu esse abatimento?
Com a venda de terrenos e o “cash flow” originado por outras transacções, como a venda de jogadores. O Benfica tem gerado riqueza para diminuir o passivo, o que é muito bom. Quando aqui chegámos tínhamos um prejuízo de 300 mil contos por mês. É bom não o esquecer.

O Benfica deve à banca?
Quase nada. Devemos apenas cerca de 100 mil contos de um pagamento que não nos interessa antecipar. Quando cheguei devíamos três milhões e seiscentos mil. É só para ver as diferenças.

Como se compõe, então, o passivo?
De dívidas a fornecedores. E aí estão incluídos os jogadores cujo pagamento é feito a um ano, dois anos, diferido no tempo. Isso é passivo. Por isso é que, atrás, lhe fiz a ressalva do passivo a 30 de Junho próximo. Podemos comprar jogadores e assumir outros encargos. Isso é normal.

O ciclismo está a dar lucro?
Neste momento não, mas não estávamos à espera que desse no primeiro ano. Seria um milagre. De qualquer maneira, é preciso analisar as receitas indirectas, por exemplo na venda de “merchandising”, na loja móvel, etc.

Quanto custa o ciclismo ao Benfica?
Não é significativo. Gastamos menos do que com o basquetebol e mais ou menos o mesmo que com o hóquei em patins.


EURO 2004 e G14

Acredita no Euro 2004 em Portugal?
Acredito. Temos todas as condições para isso. Quem anda lá por fora só tem receio por ouvir falar nas tais arbitragens, nos tais resultados esquisitos...

Se calhar também nos problemas do Benfica com o Manchester e com Souness...
Não, não se fala. Isso é empolado cá em Portugal. Se não, não contrataria o técnico que contratou e os jogadores que está a contratar. Por isso me indignei. Acha que Heynckes viria para Portugal se o Benfica fosse só aldrabice e vigarice, cheque carecas, como se diz por aí, em alguns círculos.

Já agora diga-me os nomes dos tais futebolistas de prestígio...
(Sorrindo) Não digo. Fica para a altura devida.

Porque não está o Benfica no Grupo dos G14?
O Benfica é o segundo clube do “ranking” da UEFA. Face ao seu prestígio e ao mercado que tem - a facturação do clube coloca-o entre os dez maiores clubes da Europa - não está preocupado com isso. Mas é preciso lembrar como se formou o G14, a partir do embrião de 5/6 clubes (ganhadores de provas europeias por mais de cinco vezes), por causa dos assuntos da Superliga e das relações com a UEFA. Esse núcleo alargou-se por motivos vários. Por exemplo, chegou-se à conclusão que não fazia sentido estar lá o Liverpool e não estar o Manchester. E por aí adiante. Ora na véspera da primeira grande reunião, o sr. Pinto da Costa ligou ao presidente do Real Madrid, Lorenzo Sanz, para ir a essa reunião. Acabou convidado e ficou. Mas vários clubes desses nos têm contactado. Não percebem como Portugal está representado por um clube inferior ao Benfica em termos económicos, de “ranking” e de massa associativa. Realmente não faz sentido. A explicação que adiantam é mesmo essa: neste momento, dada a correlação de forças, interessa-lhes que lá esteja um clube pequenino, que seja o porta-voz dos pequenos da Europa. O Benfica, também lhe digo, nunca lá iria para se colocar em bicos de pé para as fotografias. O Benfica estará sempre numa posição interventiva. De qualquer maneira, repare, estas reuniões têm sido desvalorizadas. Na última só estiveram os presidentes dos dois clubes espanhóis e do português.

O escândalo de 1988

Laurentino Dias era, na altura, o vice-presidente do Fafe.

Vídeos publicados no YouTube:
http://www.youtube.com/watch?v=5HHuPvEc5fk
http://www.youtube.com/watch?v=6hyVkg5rsro



O império de Oliveira

Joaquim Oliveira começou a vida a cozinhar, lavar pratos e a servir à mesa na Pensão Roseirinha, em Penafiel. Foi a fazer amigos e influenciar as pessoas que se transformou num magnata do futebol e da Comunicação Social

Joaquim Oliveira nasceu com instinto para o negócio. É exímio na arte de adivinhar de que lado do pão está a manteiga

O futebol é o território da paixão em todos os domínios, excepto num - o dos negócios. A prova disso é que quase ninguém arrisca jurar por quem é que Joaquim Oliveira esteve a torcer segunda- feira à noite, no Sporting-FC Porto. O dono da Olivedesportos é extrovertido e amigo do seus amigos - que garantem que ele é uma pessoa encantadora. Mas quanto a preferências clubísticas, fecha-se em copas e adopta uma fria atitude racional.

Nasceu em Penafiel, a 12 de Fevereiro de 1947, filho de Dona Lucinda, proprietária da Pensão Roseirinha, desprovido de qualquer jeito para o futebol - ao invés do que aconteceria com o seu irmão mais novo, António, que se revelou um predestinado. A prenda dele era outra. Trazia como equipamento de origem aquele sexto sentido que lhe permite adivinhar de que lado do pão está a manteiga.

No restaurante da mãe, cozinhava, servia à mesa e lavava pratos. Foi fiel de armazém antes de a tropa o levar para o Norte de Angola. Gostou dos ares da antiga colónia, onde regressou depois de regressar à vida civil. Tinha 23 anos e já era um popular comerciante de Luanda, dono de uma cervejaria e sapatarias, cómoda situação que teve de abandonar, num apressado retorno à metrópole, quando os três movimentos de libertação de Angola se envolveram numa sangrenta e prolongada guerra civil.

De volta ao Porto, o irmão deu-lhe uma mão, ajuda que ele mais tarde retribuiria, com juros, dando-lhe as duas. Vagabundeou por vários comércios - geriu um bar de «strip-tease» no Porto e uma charcutaria em Lisboa - até se instalar em definitivo na capital e deitar âncora nos negócios do futebol, fundando a Olivedesportos em 1984, a meias com o irmão.

Vinte anos depois é rico, poderoso e tem os vícios correspondentes. Fuma dois ou três charutos cubanos por dia e bebe uísque Old Parr. Habita com a mulher, Irene, uma moradia em Bicesse, que tem as paredes decoradas com uma selecção ecléctica de nomes seguros da arte contemporânea portuguesa (Vieira da Silva, Medina e Pomar). O irmão, António, é obcecado por pintura, sendo o maior coleccionador privado de obras de Júlio Resende. Ele prefere os relógios, de todos os feitios, caros e baratos. É coleccionador compulsivo - tem-nos às centenas.

O jardim da moradia tem espécies orientais que ele aprecia e albergou uma horta com cebolas, batatas e couves que Joaquim plantou quando reparou que os netos não faziam a mínima ideia de qual era a origem do que lhes aparecia no prato.

A não ser que tenha um pequeno-almoço madrugador marcado para as sete da manhã, no Tivoli, com o amigo e banqueiro Ricardo Salgado (presidente do BES), prefere deixar passar a hora de ponta na A5 antes de se aventurar em guiar para o escritório nas Laranjeiras, junto à Loja do Cidadão.

A sua maior especialidade é fazer amigos e cultivar relações, artes em que é um verdadeiro mestre, como se prova pelo facto de ter reunido Santana Lopes e José Sócrates em sua casa, quando fez 57 anos. Mal reparou que o golfe era um desporto magnífico para cultivar relações, não hesitou um segundo em comprar lições e encomendar um saco.

A relação estreita de amizade que mantém com o actual primeiro-ministro remonta ao tempo em que Sócrates foi encarregado por Guterres da campanha para trazer o Euro 2004 para Portugal. Joaquim, cuja rede de influências no domínio do futebol não conhece fronteiras, deu uma preciosa ajuda nos bastidores, abrindo uma porta aqui, desbloqueando um apoio acolá, numa acção decisiva para a vitória final. Sócrates não esquecerá nunca esses favores.

O texto que se segue tem como objectivo ajudar o leitor a perceber como é que um modesto fiel de armazém de Penafiel se transformou num dos homens mais poderosos do nosso país.

Joaquim era pau para toda a colher na Pensão Roseirinha, em Penafiel, dirigida com mão de ferro pela mãe Lucinda e famosa pelo lendário cabrito assado no forno. Enquanto Toninho, o irmão, cinco anos e meio mais novo, entretinha reformados e desempregados no Campo da Feira fazendo magia com uma bola de futebol, ele cozinhava, servia à mesa e lavava os pratos. Pela vida fora, os papéis dos irmãos Oliveira nunca mais se inverteram. António sempre viveu da inspiração. Joaquim triunfou à custa da transpiração.


DA PENSÃO ROSEIRINHA AO «STRIP-TEASE» ZIMBO

Ainda foi fiel de armazém antes de ser chamado a defender a pátria, no Norte de Angola. A tropa teve o condão de abrir ainda mais os olhos a este rapaz, atinado e trabalhador, mas também muito empreendedor e ambicioso, que logo identificou Angola como terra de boas oportunidades. Depois de desmobilizado, ainda viajou até à Metrópole mas logo regressou a Luanda. Com apenas 23 anos, já era dono do seu próprio restaurante, e como não era homem para ficar parado alargou os interesses empresariais ao comércio de sapatos.

No dealbar dos anos 70, dono da Cervejaria Esplanada São João, era uma figura popular na cena de Luanda. Tinha boa conversa, uma lendária facilidade de fazer amigos e era irmão de Oliveira, o ídolo azul-e-branco da bola que despontava na metrópole e cujas proezas eram relatadas com detalhes encomiásticos pelos jornais e rádios angolanas. Tudo isto ajudava a vender mais uns barris de cerveja Cuca.

O 25 de Abril estragou-lhe os negócios angolanos. A guerra civil, que rebentou ainda antes da declaração da independência, a 1 de Novembro de 1975, tornou o ar de Luanda irrespirável para um próspero comerciante branco. Retornou a Portugal, deixando para trás sapatarias e cervejaria.

Teve de começar de novo, refazendo a vida com a ajuda do irmão futebolista, cujo imenso talento se esgotava entre os relvados e os namoros. O mano mais velho entrava com o jeito para os negócios. O mais novo contribuía com a massa.


ANTÓNIO VOLTA AO PORTO, JOAQUIM FICA EM LISBOA

Joaquim deu um passo decisivo na verticalização do negócio ao pôr um pé na emissão fundando a SportTV.

Joaquim vagabundeou por diversos negócios - como o Zimbo, clube de «strip -tease» na Rua Santa Catarina (Porto), ou uma charcutaria no Centro Comercial Alvalade, em Lisboa, para onde se mudou acompanhando o irmão quando este assinou pelo Sporting. Até que, no início dos anos 80, travou conhecimento e fez amizade com o italiano Diego Bastino, o maior empresário do mundo de publicidade estática, actividade que o pai Bastino tinha inventado e iniciara em 1952, no Estádio de Wembley.

Em 1984, deitou para trás das costas o cheiro a fritos e assados, passando a dedicar-se à exploração da publicidade nos estádios. Nascia a Olivedesportos, com o capital dividido em partes iguais pelos dois irmãos de Penafiel, a empresa que organizou, profissionalizou e ajudou a revolucionar os negócios do futebol no nosso país.

Antes dos Oliveiras, a publicidade à volta dos campos era uma actividade amadora. Como a soma das receitas conseguidas com a bilheteira e as quotas dos sócios nunca chegavam para fazer face às despesas, os dirigentes dos clubes pediam ajuda aos empresários da terra, oferecendo-lhes em troca espaço nos painéis publicitários.

A Olivedesportos arrancou com as concessões do Chaves e do Sporting mas rapidamente cresceu. Dez anos depois já controlava a publicidade estática de 14 dos 18 clubes da primeira divisão. No início, dedicou-se à compra e venda de jogadores, actividade em que se estreou em 1984 importando os paraguaios Alonso e Cabral para o Rio Ave. Chegou mesmo a criar uma sociedade para este negócio, a Futinvest, que tinha como director-executivo José Veiga, o antigo presidente da Casa do FC Porto no Luxemburgo, que à época vivia nas boas graças de Pinto da Costa. Posteriormente abandonou esta área de negócio, passando a empresa a Veiga.

A opção era clara. Tratava-se de focalizar a actividade do grupo na exploração da publicidade estática e das transmissões televisivas, negócios que implicavam estar de bem com os clubes a quem compravam os direitos. E as compras e vendas de jogadores podiam introduzir um ruído desnecessário num negócio que deslizava sobre rodas.

Em 1985, intermediou a sua primeira transmissão televisiva de um jogo de futebol (Checoslováquia-Portugal). No ano seguinte, foi visto em Saltillo a carregar painéis de publicidade e a dirigir a sua colocação à volta dos campos em que a selecção portuguesa disputou os três jogos no Mundial do México. António arrumara, no entretanto, as botas e regressara ao Porto. Ainda era o mais famoso dos dois irmãos. Mas não o seria por muito mais tempo. Joaquim optou por se manter em Lisboa. Com a sua facilidade em fazer amigos e influenciar as pessoas, o negócio prosperava até ser sacudido pelo sobressalto do nascimento da televisão privada.


RICARDO SALGADO DÁ UMA AJUDA
Vale e Azevedo fez tremer a Olivedesportos, mas acabou por perder a guerra e acabou na cadeia.

O aparecimento da SIC e a vitória de Vale e Azevedo nas eleições do Benfica ameaçaram seriamente o equilíbrio ecológico em que medrava o negócio dos irmãos Oliveira. O novo canal privado escolheu o futebol para levar os portugueses a sintonizarem o canal 3 nos seus aparelhos, o que agitou o doce e reservado mundo das transmissões televisivas, até aqui reserva de caça exclusiva da Olivedesportos.

A SIC abriu as hostilidades, quebrando o monopólio ao pagar 400 mil contos por três jogos (Porto-Benfica, Sporting-Benfica e Sporting-Porto). Seguiu-se o ataque de Vale e Azevedo que mal chegou à presidência do Benfica rasgou os contratos que o seu antecessor Manuel Damásio tinha assinado com a Olivedesportos, e negociou com a SIC direitos de transmissão televisiva pelos quais o seu clube já recebera. No entretanto, o «Record», dirigido pela dupla Cartaxana/Marcelino era a ponta de lança da campanha contra uma Olivedesportos acusada de, em coligação com o FC Porto, controlar o futebol, com recurso a meios duvidosos.

A batalha ia ser dura. Demorou anos e desenrolou-se em diversos tabuleiros. Nos tribunais, mas também nas páginas dos jornais e nos ecrãs de televisão. Para não lhe faltar a voz durante os tempos de difíceis combates que se avizinhavam, Joaquim adquiriu, em 94, por um preço simbólico (50 mil contos), o jornal desportivo «O Jogo», que a Lusomundo se preparava para encerrar, insatisfeita com os escassos sete mil exemplares de circulação do diário - número que em dez anos foi multiplicado por sete, na sequência de um investimento acumulado que rondou os 15 milhões de euros.


UMA FANTÁSTICA TEIA DE CUMPLICIDADES
A amizade com Pinto da Costa tem sobrevivido, mas ninguém sabe ao certo se ele é portista ou sportinguista.

Por falta de fôlego financeiro, em dado momento desta guerra contra a dupla Rangel/Vale e Azevedo, Joaquim esteve à beira de atirar a toalha ao chão. Encarou mesmo vender o grupo, então avaliado no intervalo entre os 12 e os 15 milhões de contos, a Francisco Balsemão. Mas Ricardo Salgado deu-lhe a mão, comprando-lhe o tempo necessário para ganhar a guerra. Foi o início de uma bela amizade com o banqueiro. Mais tarde, o BES e a PT desaguaram no mundo do futebol - até então muito ligado ao BPI, que montara as SAD do Sporting, FC Porto e Boavista - pela mão de Joaquim, patrocinando os três grandes e a Selecção.

Durante a guerra foi cuidadoso. O alvo dos processos judiciais foi sempre Vale e Azevedo, nunca o Benfica. Na hora da vitória, com o inimigo atirado para a cadeia, soube ser magnânimo, ao converter em 20% do capital da Benfica Multimedia os 2,1 milhões de contos que o clube encarnado teria de lhe devolver.

Em 1994, afirmou ao EXPRESSO que o segredo para a posição dominante que alcançou no negócio das transmissões televisivas reside no facto de «pagar mais e melhor que os outros». «O segredo talvez esteja em considerar os meus parceiros de negócios como pessoas inteligentes e de boa fé», acrescentou. Mas esta é apenas uma parte do segredo. A outra parte consiste em ter uma estratégia certa, alicerçada numa formidável rede de relações, amizades e cumplicidades que vai tecendo ao longo dos anos. Os clubes de futebol são a base do negócio. Por isso, quer eles, quer os seus dirigentes, são sempre muito bem tratados. Dar dinheiro a ganhar aos clubes que lhe vendem as concessões de publicidade e os direitos televisivos é um ponto de honra para Joaquim. Por isso, está sempre disponível para substituir-se aos bancos, financiando os clubes nas horas de aperto, em troca do dilatar do prazo de vigência dos contratos...

E além de lhes acudir quando estão com dificuldades de tesouraria, Joaquim também soube estabelecer parcerias e laços que duram para além dos mandatos dos dirigentes com que ele cultiva frutuosas amizades. A dimensão desta teia de cumplicidades salta à vista quando se olha para a carteira de participações da Olivedesportos, onde convivem 19,4% do Sporting, 11% do FC Porto, 23,3% do Boavista, 20% da Benfica Multimedia, e ainda posições no Belenenses, Braga e Alverca. A legislação portuguesa não impede esta acumulação desde que os direitos accionistas de voto sejam usados apenas numa sociedade - e ele faz questão de não exercer em nenhuma.

A verticalização é o fio condutor da estratégia urdida por Joaquim e que tem sido rigorosamente seguida nas duas últimas décadas. Começou com a concessão de publicidade estática. Evoluiu para a intermediação dos direitos de transmissão televisiva. Continuou para montante, tomando posição no capital dos clubes, e para jusante, passando a ter um pé na emissão, ao participar na fundação da SportTV. E como já se sabe, não ficou por aqui.


A RESPEITABILIDADE POR 12 MILHÕES DE CONTOS

Em 1999, a Olivedesportos pagou 95 mil contos à Federação Portuguesa de Futebol (FPF) pelos direitos relativos à final da Taça de Portugal. Depois revendeu à RTP os direitos de transmissão televisiva por 90 mil contos. À primeira vista perdeu dinheiro. Na realidade ganhou - e muito - , já que os 95 mil oferecidos à FPF incluíam a concessão da publicidade no Estádio Nacional. Publicidade e transmissão televisiva de jogos são negócios complementares. Todas as semanas, uma equipa da Olivedesportos visiona cuidadosamente todos os desafios televisionados anotando cada vez que um anúncio, disposto ao longo da linha lateral ou atrás da baliza, passa na TV. A factura segue depois pelo correio.

A beleza deste negócio vertical reside na sua complementaridade em cadeia, no facto de cada um dos seus segmentos potenciar os lucros do anterior e do seguinte. Dito por outras palavras, Joaquim é um intermediário completo. Numa ponta estão os clubes, a Liga e a FPF. Na outra, os anunciantes, os telespectadores e os canais de televisão. Ele une as pontas, preenchendo o espaço entre elas. Tem a concessão da publicidade nos estádios, cujo preço muito naturalmente aumenta em proporção à quantidade de gente que vê o anúncio. Adquire os direitos de transmissão televisiva, que fazem crescer os preços da publicidade. Ganha ao revender estes direitos aos canais de televisão. E ao fundar a SportTV subiu nesta cadeia de valor, passando a lucrar a dois carrinhos - como fornecedor e como accionista.

Na guerra de meados dos anos 90 contra Vale Azevedo e a SIC, Joaquim sentiu a necessidade de no negócio da televisão estar presente não apenas na venda de conteúdos mas também na sua emissão. Por isso, mal se recompôs logo tratou de cerzir alianças com a PT e o BES, que ainda este ano se revelaram úteis no concurso de venda da Lusomundo, onde derrotou adversários poderosos como a Cofina e os espanhóis da Prisa.


IRMÃOS TÃO DIFERENTES COMO A ÁGUA DO VINHO

O passo decisivo deu-o no ano 2000, quando pagou 12 milhões de contos por 2,5% da PT Multimedia (PTM). Foi a jóia de entrada num clube muito restrito e exclusivo. Joaquim, o rapaz de Penafiel que ajudava a mãe no restaurante da Pensão Roseirinha, conquistava em Lisboa os últimos galões da respeitabilidade. Ricardo Salgado era o seu banqueiro. A PT era sua sócia na SportTV. E ele tornara-se accionista relevante da PTM, de que era administrador não executivo. Não era caso para imitar Leonardo Di Caprio, quando ele se empoleirou na popa do Titanic e se pôs a gritar «I’m the king of the world» - mas andava lá por perto.

O contrato Olivedesportos, celebrado há 20 anos entre António, sócio-capitalista , e Joaquim, o sócio-trabalhador (que percebe do negócio), teve desenlace típico neste tipo de sociedades. Com o devir dos tempos e o evoluir favorável dos negócios, o sócio-trabalhador vai acumulando capital e preponderância, na exacta medida em que se fragiliza a posição do «sleeping partner» capitalista. O prazo de validade da empresa, detida em partes iguais entre os dois irmãos, tinha chegado ao fim. O divórcio consumou-se há alguns meses mas estava já a ser preparado em silêncio há dois anos. As coisas nunca acabam bem - senão não acabavam. Mas a separação de águas entre os irmãos Oliveira pautou-se por uma enorme discrição. Depois de feitas as avaliações, António abandonou a sociedade trazendo no bolso um cheque de 35 milhões de euros e 11% da SAD do FC Porto, o que o coloca num dos lugares da frente (senão mesmo na «pole position») na corrida pela sucessão de Pinto da Costa.

Já muito tempo durou esta aliança entre dois irmãos tão diferentes como a água do vinho.


O IMPÉRIO LUSOMUNDO

António é um bicho de buraco, pouco atreito a travar novos conhecimentos. Os seus amigos de agora são os mesmos de há 20 anos. Foi o mais genial jogador português da sua geração mas falhou quando emigrou para Espanha. Transferido para o Bétis, sempre que podia metia-se no carro e ia para o Porto, apesar de na altura não haver ainda auto-estrada. O facto de ser excessivamente poupado leva os amigos a gracejarem dizendo que nunca lhe viram a carteira. Introvertido, fecha-se na sua casa portuense, na Avenida Marechal Gomes da Costa, aproveitando os tempos livres a negociar no imobiliário, comprando e vendendo casas, em Portugal e no Brasil.

Joaquim é um ser eminentemente sociável, sempre disponível para fazer novos conhecimentos. Não é o Pacheco Pereira, mas mesmo assim tem uma conversa boa e variada - não é daqueles que parece um disco riscado e só fala de futebol. Tem muitos amigos, que capricha cultivar e tratar bem, telefonando-lhes com regularidade e presenteando pelo Natal com bons vinhos. Extrovertido, aos 30 e tal anos aculturou-se à vida de Lisboa com a mesma facilidade com que aos 20 e tal anos se adaptara à de Luanda. Da sua origem nortenha guarda apenas dois vestígios - o sotaque e uma casa em Vilamoura.

A compra da Lusomundo, por 300,4 milhões de euros, é mais um ponto de partida do que de chegada. Com um só lance, Joaquim consolidou laços com dois aliados poderosos (PT e BES) e aumentou exponencialmente a sua influência na vida política, económica e desportiva portuguesa. Tem por isso reunidas as condições para um novo salto qualitativo.

Primeiro vai digerir as aquisições. Ele é um cerebral. O seu estilo é o do jogador de xadrez que estuda detalhadamente as consequências possíveis de todas as jogadas antes de se decidir a mexer a sua peça. É esperto e intuitivo, mas também um trabalhador que lê os dossiês e ouve pacientemente os especialistas. Só avança quando tem a certeza de que vai no caminho certo.

Antes de se decidir pela substituição do sistema de rotação mecânica da publicidade por um novo, eléctrico, estudou com detalhe o novo sistema e só optou por ele quando encontrou a solução para um problema que o intrigava - por que é que durante um jogo se fundiam tantas lâmpadas...

A Lusomundo apresenta-lhe um problema novo. Até agora, lidou sempre com projectos que arrancavam de raiz. Agora comprou uma série de empresas com cultura e história próprias. O que é um enorme desafio para um homem que tem gerido os seus negócios muito apoiado num pequeno estado-maior familiar - Rolando, o filho licenciado em Gestão, é o seu braço-direito, enquanto que Gabino, o outro filho varão, licenciado em Novas Tecnologias, se tem encarregue da informática -, demasiado curto para a tarefa que tem pela frente. E o caso não se resolve adicionando ao elenco a filha, licenciada em Psicologia.

Mas, se for bem sucedido na digestão da Lusomundo, não vai resistir à tentação de acrescentar as duas jóias que faltam à sua coroa - um parceria estratégica e duradoura com o Benfica e uma posição importante num canal de televisão generalista. Sonhos que até nem serão muito difíceis de concretizar, tanto mais que ele sabe esperar. Mais tarde ou mais cedo o Benfica terá de abrir o capital. E ninguém abrirá a boca de espanto se Miguel Pais do Amaral resolver pôr à venda a sua posição na TVI. Ah, e no que toca a amizades, Joaquim Oliveira e José Eduardo Moniz dão-se tão bem como Deus com os anjos...

Texto de Jorge Fiel
Expresso
25 Março 2005
Link: http://estadio.no.sapo.pt/o_imperio_de_oliveira.htm

Histórias de corrupção - O caso Cadorin

Decorria o ano de 1986 estamos precisamente na cidade de Portimão em pleno Algarve.

Na época anterior o Portimonense conquistou a sua melhor classificação de sempre na sua história um honroso 5º lugar o grande obreiro foi Manuel José.

Mas o post de hoje não é para falar sobre a classificação do Portimonense mas sim para falar de mais um caso de corrupção do nosso futebol, a época era a de 1985/1986 até então na cidade de Portimão tudo normal, o Portimonense estava bem na classificação. Nesse fim de semana o Portimonense teria pela frente um forte opositor, opositor esse que lutava pelo campeonato.

Precisamente na semana desse jogo rebentou uma bomba em Portimão que acabaria por alastrar a todo o país, ou quase todo. O jogador Serge Cadorin foi alvo de aliciamento para cometer uma grande penalidade adivinhem contra quem era o jogo? Pois é os mesmos de sempre o F.C.Porto, a verdade é que Cadorin veio para toda a imprensa relatar o sucedido e tendo inclusive ido à PJ apresentar o caso.

Nesse jogo o Portimonense acabaria por vencer por 1-0 o F.C.Porto com um golo do mesmo Serge Cadorin.

A verdade é que nem imprensa nem PJ nem ninguém quiseram saber do caso, segundo o relatório da PJ da época e a própria imprensa nada se poderia provar porque era a palavra de Cadorin contra a de Luciano d'Onofrio.

Cadorin tinha chegado 1 ano antes a Portugal pela mão de Norton de Matos que fora seu colega de equipa no Standard de Liège, tendo como seu empresário o inevitável Luciano d'Onofrio.

Segundo Cadorin Luciano teria oferecido um contrato com o Futebol Clube do Porto para a época seguinte ou então uma transferência para um clube Italiano para além da verba de 500 contos (2500€).

Luciano já naquele tempo trabalhava fervorosamente com Pinto da Costa e a verdade é que os casos no futebol Português apareciam todos os dias ou quase todos os dias. e este foi mais um que morreu sem que ninguém o investigasse.

O mais curioso de tudo isto é que no ano seguinte a a este episódio de corrupção, estava Cadorin ainda ao serviço do Portimonense e quase na eminencia de se transferir para o Sporting, até que aconteceu o que até hoje ninguém quis explicar, nem o próprio jogador comentou o sucedido.

A misteriosa explosão que quase termina com a vida de Cadorin

Cadorin na sua residência e misteriosamente houve uma explosão de gás, que quase terminou com a sua vida, não terminou com a vida mas terminou com a sua carreira, pois as lesões provocadas pela explosão fizeram com que a transferência para o Sporting fosse cancelada e Cadorin esse impossibilitado de praticar futebol. A explosão que quase tirou a vida ao jogador ocorreu no ano a seguir a ter denunciado a tentativa de aliciamento por parte do F.C.Porto e Luciano d'Onofrio.

Luciano d'Onofrio era há época empresário de jogadores de futebol sendo um dos amigos pessoais de Pinto da Costa. Já por essa altura o empresário era procurado pelas autoridades tendo inclusive estado preso, e há altura havia fortes indícios de ligações com máfias e tráfico de armas.

A verdade é que desta historia existem muito poucas fontes e as que existem abordam pouco o ocorrido.

Há anos atrás um jornal ainda tentou entrevistar Cadorin e saber o que de facto se passou naquela semana do jogo contra o F.C.Porto o já falecido Cadorin apenas afirmou que queria continuar a gozar a sua vida em paz e que não queria mais problemas na sua vida devido a tudo o que se passou.

Infelizmente Cadorin já não se encontra entre nós, tendo falecido em Liège a 10 de Setembro de 2007 aos 45 anos de idade.

Que descanse em paz, foi dos poucos que teve a coragem de denunciar a corrupção.

Publicado por kapotes no blog "Avante P'lo Benfica"