O atual vice-presidente executivo do Standard de Liége, Luciano D'Onofrio, figura central da investigação que levou hoje a polícia a buscas na SAD do FC Porto, é um velho conhecido do futebol português.

Em 1977/78 chegou a Portugal, ondicado por Norton de Matos, para jogar no Portimonense, após ter sido preso na Bélgica por tráfico de droga, destituído da nacionalidade belga e expulso do país, como cidadão estrangeiro, uma vez que passou a deter apenas a nacionalidade italiana.

Pouco depois, sofreu uma grave (tripla) fratura da perna, que forçou o fim da carreira, passando a negociar jogadores, os primeiros dos quais os seus compatriotas Cadorin e Alan. Esse primeiro negócio correu de feição, tanto mais que Cadorin, já falecido, chegou a Portimão e "partiu a loiça", suscitando o interesse do Sporting, que avançou para a sua contratação. No entanto, um acidente num churrasco causou-lhe graves queimaduras e o contrato foi anulado.

Essas transferências transformaram-no numa figura conhecida, chegando a ser convidado pelo antigo presidente do Sporting João Rocha para um sorteio das competições europeias, onde encontrou Pinto da Costa, com quem viria a estabelecer amizade, chegando a desempenhar funções no FC Porto como diretor do futebol. Nas Antas, Juary, Paulo Futre, Rui Barros, Demol, Sérgio Conceição, Folha, Moreira e Jorge Costa, além do treinador Tomislav Ivic, foram alguns dos muitos jogadores que transferiu do e para o FC Porto.


Esta parceria seria duradoura, apesar de alguns anos de afastamento, que lhe abriu as portas a negócios com os rivais Sporting (César Prates, André Cruz, M'Penza, Horvath e Vinícius) e Benfica (Michel Preud'Homme).

Em 1998, D'Onofrio comprou um endividado Standard, juntamente com o ex-presidente do Marselha, Robert Dreyfus, já falecido, assumindo as funções de vice-presidente executivo, apesar de, na prática, mandar.

Trouxe alguma estabilidade financeira ao Standard, o que lhe conferiu certa imunidade perante o assédio da justiça belga, continuando a intermediar transferências, apesar de lhe ter sido retirada a carteira de agente FIFA na sequência da condenação de que foi alvo por um tribunal de Marselha, França.

D'Onofrio foi condenado, no âmbito de um processo judicial interposto contra o Marselha, a seis meses de prisão efetiva (e multa de 357 mil euros) e proibido de exercer qualquer actividade ligada ao futebol durante cinco anos.

Há vários anos que está sob alçada da polícia de investigação de crimes financeiros na Bélgica, que já efetuou duas buscas no Standard, sem resultados, por suspeitas de crimes de branqueamento de capitais, fuga de impostos e de capitais para paraísos fiscais.

É no âmbito desta investigação que se inserem as buscas que a polícia judiciária efetuou à SAD portista para recolha de documentos relacionados com a empresa International Agency For Marketing, sediada num paraíso fiscal, tida nos meios futebolísticos belgas como propriedade de Luciano D'Onofrio.

24 fevereiro de 2010 - Record


Lavagem de dinheiro em vendas do FC Porto

Belgas suspeitam que empresário Luciano D’Onofrio se apoderou de comissões com contratos de direitos de imagem.

A SAD do FC Porto foi ontem alvo de buscas por parte da Polícia Judiciária do Porto, a pedido das autoridades belgas, em resposta a uma carta rogatória onde se investiga o empresário Luciano D’Onofrio e os negócios feitos com Pinto da Costa. É suspeito de fraude fiscal e branqueamento de capitais, na sequência de transferências de jogadores portistas, desde a década de 90. O esquema passava pelo pagamento de direitos de imagem que revertiam a favor do empresário.

Em causa estão as mudanças de Vítor Baía para o Barcelona, Sérgio Conceição para a Lázio e ainda Folha para o Standard de Liége. O empresário mediou os negócios milionários e ter-se-á apropriado indevidamente de grandes quantias de dinheiro, que ficaram por declarar. A investigação belga data de 1996 e agora as autoridades pediram a colaboração a Portugal.

Segundo o CM apurou, os belgas procuram indícios de branqueamento de capitais, já que o quadro legal naquele país da Europa não exige a existência de qualquer crime associado. Luciano D’Onofrio poderá vir a ser indiciado apenas por branqueamento. Não há suspeitas de envolvimento do clube ou dos atletas cujas transferências foram investigadas.

Entretanto, durante a tarde de ontem, a própria SAD do FC Porto confirmou as buscas por parte das forças policiais, que começaram pelas 10h00 e pretendiam documentos relacionados com a empresa International Agency for Marketing, que está sediada no Liechtenstein, e que tem como beneficiário o agente italo-belga, agora dirigente do Standard de Liége.

A proximidade de D’Onofrio com Pinto da Costa tem já várias décadas. Nos anos 80, o empresário assumiu a pasta de director desportivo do FC Porto, liderando grande parte das transferências dos dragões nessa década – casos de Juary, Rui Barros ou Paulo Futre – tornando-se essencial para o sucesso desportivo e económico dos dragões.

Após ter enveredado pela carreira de empresário – um dos primeiros certificados pela FIFA –, D’Onofrio tornou-se um dos homens mais poderosos do futebol, sendo raro o negócio milionário que não tivesse a sua mão.

PONTE ENTRE PORTO E LIÉGE

Luciano D’Onofrio começa a investir no Standard de Liége em 1998, mas não aparece oficialmente nos quadros do clube até 2004, até porque era empresário ainda em funções. A partir da sua entrada no clube, o Standard subiu em flecha e, em 2008, sagra-se campeão, após 25 anos de jejum.

As relações de proximidade entre Luciano e Pinto da Costa permitiram ainda a chegada de vários jogadores do FC Porto ao clube belga. António Folha, Fredrik Sodestrom, Nuno André Coelho, Areias, Sérgio Conceição e Jorge Costa saíram dos dragões para jogarem no Standard.

PERFIL

Luciano D’onofrio nasceu em 1955, em Itália, mas três anos depois mudou-se para Liége, na Bélgica. Torna-se jogador de futebol, mas termina a carreira aos 28 anos, já em Portugal, no Portimonense. Envereda pelo dirigismo, sendo director do FC Porto. Passa depois a ser um dos maiores empresários do mundo do futebol. Actualmente, está na direcção do Standard de Liége.

O GUARDIÃO MAIS CARO DO MUNDO

Uma das transferências em investigação é a de Vítor Baía para o Barcelona, no Verão de 1996, por uma quantia de 6,5 milhões de euros, então o maior valor pago por um guarda-redes na história do futebol mundial. O empresário Luciano D’Onofrio mediou as negociações, numa transferência que já motivou buscas nas instalações do clube catalão, em Junho de 2009.

VEIGA AFASTADO DO NEGÓCIO

O FC Porto vendeu, em 1998, Sérgio Conceição à Lázio, por cerca de dez milhões de euros, numa oferta que até chegou ao Dragão pelo empresário José Veiga. Contudo, o negócio seria finalizado por D’Onofrio, o que causou o corte de relações entre José Veiga e Pinto da Costa. Sérgio Conceição ainda jogaria no Standard de Liége, entre 2004 e 2007.

ANTÓNIO FOLHA NUM 'VAI E VEM'

António Folha era extremo-esquerdo e andou num autêntico 'vai e vem' entre o Porto e Liége, na Bélgica. Em 1998, o esquerdino foi emprestado pelos dragões ao Standard, mas ainda voltaria a vestir de azul-e-branco, antes de ser transferido, de forma definitiva, para os belgas, no final de 1999/2000. Em Janeiro de 2001, regressou ao FC Porto.

PORMENORES

CONDENADO A DOIS ANOS

Luciano D’Onofrio já foi condenado em França por quatro vezes, sendo o caso mais grave de 2006, quando levou dois anos de prisão, por comissões fraudulentas em transferências do Olympique de Marselha, entre 1997 e 1999.

500 CONTOS POR PENÁLTI

Serge Cadorin, antigo avançado do Portimonense entretanto falecido, revelou, em 1986, uma promessa de D’Onofrio que, em troca de um penálti a favor do FC Porto, lhe terá prometido 500 contos e uma transferência para os dragões ou para um clube europeu.

GUERRA ENTRE IRMÃOS

A mudança de Sérgio Conceição para a Lázio contribuiu para o esfriar de relações entre o líder do FC Porto e o irmão Alexandre. O corte total surgiria com um problema familiar.

BARCELONA VISITADO

Em Junho de 2009, o Barcelona foi também alvo de buscas, tendo em vista irregularidades nas transferências de Vítor Baía, do FC Porto, e Christophe Dugarry, do AC Milan. O negócio Baía teve a chancela de D’Onofrio.

PJ À ESPERA DE DADOS

O alegado pagamento de 3,2 milhões feito pelo Sporting a José Veiga, através de um contrato de direitos de imagem com João Pinto, continua ainda a ser investigado pela brigada que combate o crime económico na Polícia Judiciária. Foram pedidas informações bancárias ao Luxemburgo, depois de a verba ter sido transferida pelo menos entre duas entidades bancárias. As autoridades ainda não receberam as informações daquele país e o inquérito continua na PJ.

Em causa está uma verba que fugiu ao controlo do Fisco. João Pinto acabara de rescindir com o Benfica e o Sporting acabou por acordar a sua aquisição por 4,1 milhões. O contrato fala em direitos de imagem no valor de 3,2 milhões, que entraram numa conta de um banco inglês, em nome da empresa inglesa Goodstone, onde José Veiga tinha uma procuração que lhe dava amplos poderes.

Veiga diz que interveio no processo como amigo do jogador, mas o Sporting assegura que era o empresário de João Pinto. O atleta, por sua vez, começou por se dizer enganado e remeteu-se ao silêncio quando foi ouvido. As autoridades defenderam depois que João Pinto conhecia a existência da verba e foi também constituído arguido por fraude fiscal.

Da conta da Goodstone, a PJ apurou ainda que o dinheiro seguiu para o Luxemburgo. A investigação sustenta que antes de entrar nas contas de João Pinto o dinheiro passou por outra conta de Veiga no Luxemburgo. Além da fraude fiscal há também suspeitas de burla ao Sporting.

POLÍCIAS BELGAS EM PORTUGAL

Os carros da Polícia Judiciária e das autoridades belgas entraram várias vezes no Estádio do Dragão pela garagem. Foram discretos e rápidos no acesso ao escritório do edifício e apenas o Volvo com matrícula belga denunciou a investigação sobre o agente desportivo italo-belga e as buscas na SAD portista. À tarde, o presidente do FC Porto, Pinto da Costa, entrou na garagem , pelas 15h30, conduzido pelo motorista e saiu duas horas depois ao volante do seu automóvel. Nenhum outro movimento exterior revelou as diligências policiais.

Por:Tânia Laranjo/Sérgio Pereira Cardoso/Manuela Teixeira
25 Fevereiro 2010
Correio da Manhã